José Pacheco Pereira tem-se destacado como o mais
consistente e virulento crítico do discurso instalado no governo e em todos que
reproduzem o discurso do poder sobre os sinais da retoma e sobretudo sobre o
branqueamento implícito que essa abordagem representa dos custos devastadores
que a receita da TROIKA e do Governo irá provocar na economia e na sociedade
portuguesa.
JPP situa-se num outro plano da análise política
e do discurso do poder que nenhum outro comentador no ativo e com audiência é
capaz de alcançar, sobretudo porque o faz com um suporte cultural e de
conhecimento histórico incomum no universo dos analistas. A sua sugestiva
invocação do Cândido de Voltaire e do seu mentor Pangloss, na crónica de hoje
do Público, é bem ilustrativa desse outro plano de análise. A sua desconstrução
é impiedosa e consegue nesse registo meter no mesmo saco governo e oposição,
incluindo a que não se situa no espaço da governação. Neste âmbito, este
modesto economista com algumas pretensões culturais rende-se ao sentido crítico
de JPP.
Mas a abordagem aqui em questão suscita temas de
interesse a cujo comentário o economista não pode furtar-se e em torno dos
quais as posições de JPP carecem de alguma discussão.
Comecemos pelos sinais de retoma. Eles existem
mas não têm o significado que os laudatórios da governação atual lhe querem
atribuir. A atividade económica recupera mas a situação alcançada está longe de
estar ao nível do antes do resgate. Além disso, não existe nenhum nexo causal
credível entre a recuperação agora observada e as políticas de ajustamento.
Primeiro, a pequena reanimação da procura interna observada em 2013 pode ter a
sua justificação nos limites que o Tribunal Constitucional impôs à sanha da
austeridade e pode até lançar-se a hipótese que algumas famílias anteciparam
compras a contar com o agravamento da austeridade associada ao orçamento de
2014. Segundo, prosseguiu a resiliência das exportações que tudo indica
transcende o fenómeno Galp, até porque ela se verifica por exemplo na região
Norte e aí é de resiliência pura que se trata. No entanto, é praticamente
impossível associar essa resiliência à política governamental e sabemos que as
empresas exportadoras têm em média maior dimensão, maior produtividade e pagam
melhor que o setor não exportador. Quando muito poderemos registar algum efeito
dos instrumentos de política pública de apoio à inovação e internacionalização
proporcionados pelos Fundos Estruturais.
A questão fundamental será então a de saber se os
sinais da recuperação são apenas um simples reatar de ciclo económico, mesmo
que anémico por força da austeridade, ou se, pelo contrário, a economia
portuguesa está de facto a mudar.
A questão é complexa, devido essencialmente às
seguintes razões:
- A mudança do perfil de especialização da economia portuguesa está a ocorrer já há algum tempo, mas é lenta, muito lenta e pode ter sido penalizada pelos custos da desvalorização nominal interna, pois como temos aqui insistido o rebaixamento do custo do trabalho é o pior incentivo à inovação;
- Essa mudança tem sido operada essencialmente nos ramos exportadores a que corresponde o saber operar nos mercados internacionais e que alguns, errada e pejorativamente, designam de tradicionais: o Professor José Mendes, vice-reitor para a inovação e empreendedorismo da Universidade do Minho, designa esse processo sugestivamente de “inovação de largo espectro na tradição”, potencial que está longe de estar plenamente aproveitado e no qual as regiões Norte e Centro predominam;
- As atividades ligadas ao mercado interno experimentaram com a austeridade desregrada uma sobredestruição desproporcionada face á reorientação de recursos que a economia portuguesa necessitaria sempre de fazer;
- Todo o restante processo de emergência de novas atividades exportadoras fora do saber operar em mercado externo instalado e induzido por empreendedorismo de base tecnológica é lento, fortemente indeterminado, pois exige escala e sinergias que só o tempo dirá se vão concretizar-se ou não;
- Todo o impressionismo que a comunicação social tem veiculado sobre o empreendedorismo carece de escala para se traduzir em mudança estrutural e, além disso, não existe informação que nos permita avaliar a sustentabilidade da maioria dos projetos que alimentam a ideologia do empreendedorismo apregoada pela maioria.
Dos elementos disponíveis, os dados das Estatísticas
do Emprego sobre a evolução dos três primeiros trimestres de 2013, particularmente
do comportamento entre o segundo e o terceiro trimestres, fornecem alguns
elementos relevantes:
- O aumento de 48000 indivíduos empregados é essencialmente assegurado através de empregos a indivíduos com formação superior (+ 40.800) e com formação secundária e pós secundária (+ 43.600), com descida da população empregada com formação até ao 3º ciclo do básico (- 36.200);
- São essencialmente os serviços a explicar esse aumento da população empregada, com relevo para a hotelaria e restauração, mas também para as atividades de informação e comunicação, de consultoria e científicas e comércio por grosso;
- Em termos de profissões são essencialmente os técnicos e profissionais de nível intermédio que ocupam um lugar de realce na criação de emprego (+ 37.300), seguido de pessoal administrativo (+ 19.000) e operadores de instalações e trabalhadores de montagem (+ 8.100);
- O tipo de emprego assegurado é essencialmente a tempo total e com contratos sem termo.
O que ressalta destes números é que, para além do
aumento de população empregada ser ainda de reduzida expressão e por isso não
totalmente informativo sobre as mudanças em curso, eles não permitem ainda ilustrar
a tal desejada mudança de perfil de especialização. Teremos de analisar em
particular o comportamento da indústria transformadora, que praticamente não
contribuiu para o aumento de 48.000 indivíduos empregados (+ 2.400), para
perceber se a mudança está em curso.
Por tudo isto, JPP tem razão em denunciar
criticamente o discurso da pretensa mudança estrutural em curso, pelo menos nos
termos em que o coro laudatório do governo apregoa. A mudança está de facto em
curso, mas já o estava antes de 2007. E não ignoremos o incentivo perverso da
desvalorização nominal em termos de estímulo à inovação empresarial. Gente mais
qualificada e com menores salários é o melhor convite ao “business as usual”.
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