quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

UM IMENSO CURTO PRAZO

(Rafael Ricoy, http://elpais.com)

Quanto mais nos formos confrontando com a publicação de anúncios disfarçados de manchetes de jornal especializado, como o primeiro dos seguintes, mais devemos desconfiar de que a verdade não anda por perto e/ou de que “há mouro na costa”. No caso, e para azar do declarante, o dito saiu logo no mesmíssimo dia em que a comunicação social também informava que Durão entende que talvez um programa cautelar desse mais segurança e fosse melhor para Portugal. Afinal em que ficamos? Ou, talvez mais relevante do que isso, como dar um sentido interpretativo a estas aparentes contradições discursivas?







Antes de tudo, o que elas significam é que o negócio está difícil para os lados de uma banca de investimentos durante anos habituada a uma fácil atração de incautos e gananciosos com a condescendente ajuda dos chamados reguladores e mais recentemente afetada por um conjunto crescente de temores relacionados com o comportamento e a estabilidade das economias emergentes onde se tinham vindo a refugiar somas avultadas de capitais. Neste quadro, o celebérrimo e nem sempre recomendável banco de investimento “Goldman Sachs” colocou algumas das suas fichas neste nosso pobre Portugal, para onde nomeou um partner responsável (António Esteves) que diz ter “uma ótima relação com o Estado”, onde acedeu com rapidez a celebrar um acordo sobre os swaps que detinha, onde comprou 5% dos CTT, onde contratou os sinaleiros serviços de José Luís Arnaut e onde é uma das seis instituições financeiras (a par de Barclays, Caixa BI, HSBC, Morgan Stanley e Société Génerale) que o IGCP mandatou para liderar a montagem de operações de emissão de dívida pública portuguesa (“regresso aos mercados”). Sendo que estas operações são fortemente lucrativas para quem funcione acreditando que o longo prazo é sobretudo um somatório de muitos e pequenos curtos prazos e que a conjuntura atual na periferia sul da Europa evidencia excelentes e imperdíveis condições em termos do binómio risco (relativamente baixo) – taxa de juro (relativamente alta). Retomo a propósito, porque ainda está quente, a imagem dos conselhos daquele broker do filme de Scorsese: há é que embolsar comissões e não deixar parar o carrossel (fairy dust)...


De um outro lado está a dimensão política, também ela capturada por visões arrasadoramente imediatistas e dissimuladamente voluntaristas. Como acontece com o logro de uma peregrina crença nos fins de crise decretados, seja embora por imposição proveniente da poderosa tripla de chefes alemães (Merkel-Schäuble-Gabriel) ou apenas por saloiice eleitoralista da imparável tripla de súbditos lusitanos (Pedro-Paulo-Aníbal). Porque a única parcela de verdade em tudo isto foi a que veio da boca de Portas – coisa aliás raríssima! – no excerto abaixo do seu discurso aos congressistas do CDS. Porque o problema, esse, está lá e acabará sempre por voltar teimosamente à tona penalizado pelas imensas desconformidades por tratar, quer no tocante às nossas apregoadas e sempre adiadas reformas estruturais (agora à espera do momento em que chegará “a fronteira de uma liberdade recuperada”!) quer quanto às variadas impossibilidades de concatenação económica e social comunitária que decorrem de questões tão sérias como as debilidades da arquitetura institucional da moeda única ou as exigências do tratado orçamental europeu.


Mas amanhã vê-se, que esta vida são dois dias! Fixemo-nos por ora na ganhuça, seja ela financeira ou política, e “quem vier atrás que feche a porta”. Perigoso, muito perigoso…

(Bernardo Erlich, http://elpais.com)

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