sábado, 18 de janeiro de 2014

CIÊNCIA: A ESTRATÉGIA DO VAZIO



(Investigadores em protesto na Unversidade de Aveiro. Foto Paulo Novais/Lusa)
Errático, instável, pressionado pelas circunstâncias, decisões de tribunais, exigências da Comissão Europeia e sempre às turras com os sindicatos, o ministro Crato lidera a política de educação da maioria que governa sem um quadro de orientação legível para a maioria dos portugueses. Mas há pelo menos uma regularidade, que começa a emergir, essa sim com grande visibilidade. Crato especializou-se em suspender, anular e destruir orientações de política pública de educação, com as quais podíamos estar ou não de acordo, sem avançar com alternativas coerentes a essas orientações. Ou seja, Crato especializou-se na estratégia do vazio e parece confortável com isso. Não sabemos se isso é o produto da sua inferioridade e falta de peso político face à máquina trituradora do Ministério das Finanças, com uma Maria Luís que saiu melhor do que a encomenda, ou se é mesmo uma adoração doentia pela estratégia do vazio.
O recente trambolhão experimentado pelo financiamento à ciência, não só em termos de ação direta junto de equipas de investigação e laboratórios associados, mas também em termos de bolsas concedidas a investigadores, doutoramentos e pós doutoramentos, é mais um exemplo dessa estratégia do vazio.
A aposta na ciência num país que não poderá nunca constituir fronteira do desenvolvimento científico (por meras razões de massa crítica de garimpeiros da investigação) exige uma discussão profunda, que não pode ficar cativa nem de lobbies corporativos, nem do grau primário com que os jornalistas portugueses discutem e veiculam essa discussão para o grande público. A investigação científica num país cuja base produtiva é frágil e largamente incapaz de a prazo utilizar produtivamente o conhecimento produzido requer uma rigorosa identificação das prioridades nacionais nesse domínio. É necessário antes de mais o país definir o que pretende atingir com a aposta na excelência científica. Um objetivo nacional pode ser, por exemplo, o de garantir emprego científico aos mais capazes e excelentes e com isso endogeneizar na sociedade portuguesa a absorção dos mais qualificados, contrariando os riscos da diáspora da qualificação. Mas num país como Portugal essa missão é curta. É fundamental encontrar um sentido estratégico para a valorização do conhecimento que a aposta no emprego científico determinará. Não podem ignorar-se os riscos de perda do conhecimento para o exterior, beneficiando países que não fizeram o investimento e recebem os resultados, mesmo que a diáspora não se produza.
A translação do conhecimento que a investigação científica bem sucedida proporciona tanto pode transformar-se em bens públicos que, por exemplo, os sistemas públicos podem absorver (caso por exemplo do Sistema Nacional de Saúde que pode beneficiar da excelência nacional nas ciências da vida), como ser transferido para o sistema produtivo.
Mariano Gago, o ministro dos governos PS que colocou a excelência científica no mapa nacional, protagonizou uma aposta coerente e consistente no desenvolvimento científico, embora não resolvendo o problema da sua translação.
A estratégia do vazio de Nuno Crato nem mantém a aposta ao nível anterior, antes a parece enterrar, nem formula qualquer ideia coerente de apostar em investigação científica com maior propensão ou probabilidade de translação para o sistema produtivo. Um bom indicador dessa incapacidade tem sido a sistemática crítica que a Comissão Europeia tem dirigido ao Acordo de Parceria que definirá a programação de Fundos Estruturais em Portugal para o período 2014-2020, sobretudo baseada segundo a Comissão na tentativa velada do governo português financiar a investigação científica através de Fundos Estruturais que estão a pensar essencialmente em inovação e desenvolvimento tecnológico.
Uma estratégia de vazio como esta corre o risco de nem assegurar a permanência em Portugal da nossa jovem excelência científica, nem de criar condições para a disseminação de conhecimento junto das PME. Enquanto escrevo este post sigo a entrevista de uma das estrelas da investigação científica nacional, o investigador Rui Costa (Fundação Champalimaud) que acaba de obter um valioso prémio europeu com um financiamento de dois milhões de euros. O caso de Rui Costa é um autêntico outlier no vazio da estratégia de Crato. O seu exemplo não resulta seguramente dessa estratégia.

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