A infografia do El País ontem aqui destacada intrigou-me e tratei de analisar alguns
dados do Eurostat (base SILC) que documenta informação variada sobre a repartição
do rendimento nos países da União Europeia.
Em primeiro lugar, tratei de construir uma série
mais longa sobre o comportamento do indicador de desigualdade que o El País
utilizou: o rácio entre a quota de rendimento dos 20% mais ricos e a quota de
rendimento dos 20% mais pobres.
O gráfico que abre este post dá conta dessa série
entre 1995 e 2012 (continua a faltar informação de 2013). Entre 1995 e 2002-03,
o rácio oscilou acabando em 2002-03 por retomar sensivelmente o valor de 1995. Iniciou
a partir daí uma tendência de descida sistemática, parecendo a partir de 2010
ter iniciado uma inversão, embora ainda se mantenha abaixo do valor de 2010.
Analisei a evolução da proporção de rendimento
detida pelos decis da população portuguesa, grupos de 10% de população
ordenados do decil mais pobre (decil 1) até ao decil mais rico (decil 10) para
os anos de 2007, 2009, 2011 e 2012. Observa-se de facto que os 20% mais pobres
(dois primeiros decis) mantêm aproximadamente a sua quota de rendimento, o que
não significa que não estejam a empobrecer pois mantêm a mesma fatia de um bolo
que está a diminuir. Em contrapartida, os decis mais ricos apresentam até 2011
uma ligeira descida de quota.
Explorei depois a evolução da quota de rendimento
para os mesmos anos dos 4 percentis mais ricos da população portuguesa (97ª,
98º, 99º e 100º percentil). Também aqui, pode confirmar-se que não há uma tendência
marcada, observando-se aumentos e descidas, de modo que globalmente as quotas
de 2012 acabam por situar-se ao mesmo nível de 2007.
Moral da história: os dados primários do Eurostat
não evidenciam um agravamento significativo da desigualdade após 2007, sendo
apenas percetível uma inversão da tendência da melhoria da desigualdade que
vinha sendo observada a partir de 20023 após 2010. Não é visível o aumento de
quota de rendimento dos decis mais ricos, bem como dos 4 percentis mais
elevados da população portuguesa. E os decis mais pobres parecem estabilizar a
sua quota de rendimento. O que significa que a haver manifestações mais
gravosas de desigualdade elas terão de ser encontradas noutros tipos de
indicadores e provavelmente o confronto entre rendimentos de trabalho e de
capital. De acordo com estes dados, as políticas sociais mesmo em quebra após
2010 parecem contribuir para a contenção da situação desfavorável dos mais
pobres, que afinal conservam a mesma fatia mas de um bolo que está a encolher
ou que pelo encolheu até há bem pouco tempo.
O discurso da desigualdade exige análise com
pinças.
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