terça-feira, 7 de janeiro de 2014

DESIGUALDADES (II)



A infografia do El País ontem aqui destacada intrigou-me e tratei de analisar alguns dados do Eurostat (base SILC) que documenta informação variada sobre a repartição do rendimento nos países da União Europeia.
Em primeiro lugar, tratei de construir uma série mais longa sobre o comportamento do indicador de desigualdade que o El País utilizou: o rácio entre a quota de rendimento dos 20% mais ricos e a quota de rendimento dos 20% mais pobres.
O gráfico que abre este post dá conta dessa série entre 1995 e 2012 (continua a faltar informação de 2013). Entre 1995 e 2002-03, o rácio oscilou acabando em 2002-03 por retomar sensivelmente o valor de 1995. Iniciou a partir daí uma tendência de descida sistemática, parecendo a partir de 2010 ter iniciado uma inversão, embora ainda se mantenha abaixo do valor de 2010.
 

Analisei a evolução da proporção de rendimento detida pelos decis da população portuguesa, grupos de 10% de população ordenados do decil mais pobre (decil 1) até ao decil mais rico (decil 10) para os anos de 2007, 2009, 2011 e 2012. Observa-se de facto que os 20% mais pobres (dois primeiros decis) mantêm aproximadamente a sua quota de rendimento, o que não significa que não estejam a empobrecer pois mantêm a mesma fatia de um bolo que está a diminuir. Em contrapartida, os decis mais ricos apresentam até 2011 uma ligeira descida de quota.

Explorei depois a evolução da quota de rendimento para os mesmos anos dos 4 percentis mais ricos da população portuguesa (97ª, 98º, 99º e 100º percentil). Também aqui, pode confirmar-se que não há uma tendência marcada, observando-se aumentos e descidas, de modo que globalmente as quotas de 2012 acabam por situar-se ao mesmo nível de 2007.
Moral da história: os dados primários do Eurostat não evidenciam um agravamento significativo da desigualdade após 2007, sendo apenas percetível uma inversão da tendência da melhoria da desigualdade que vinha sendo observada a partir de 20023 após 2010. Não é visível o aumento de quota de rendimento dos decis mais ricos, bem como dos 4 percentis mais elevados da população portuguesa. E os decis mais pobres parecem estabilizar a sua quota de rendimento. O que significa que a haver manifestações mais gravosas de desigualdade elas terão de ser encontradas noutros tipos de indicadores e provavelmente o confronto entre rendimentos de trabalho e de capital. De acordo com estes dados, as políticas sociais mesmo em quebra após 2010 parecem contribuir para a contenção da situação desfavorável dos mais pobres, que afinal conservam a mesma fatia mas de um bolo que está a encolher ou que pelo encolheu até há bem pouco tempo.
O discurso da desigualdade exige análise com pinças.

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