quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

SOBRETRABALHO



James Surowiecki tem esta semana na New Yorker uma excelente peça sobre alguns ventos de mudança que se vão observando em Wall Street sobre o culto do sobretrabalho. O fenómeno passou pela banda de cá mas não com a expressão que ele teve nos Estados Unidos. Surowiecki fala, por exemplo, de que era vulgar os jovens analistas financeiros aceitarem trabalhar 15 horas por dia em troca de remunerações relativamente elevadas e um vislumbre de riqueza. O fenómeno é explicável em contextos de contágio psicológico e de emulação coletiva da qual a saída significa perdas individuais óbvias.
O artigo destaca as mudanças que entidades financeiras como a Goldman Sachs, a Merrill Lynch e o Crédit Suisse introduziram que vão desde não trabalhar ao sábado (proibindo o acesso às instalações), não ultrapassar o máximo de 70 a 75 horas por semana ou gozar quatro dias de folga por mês. Há registos de que tais sinais podem considerar-se mudanças radicais face a práticas que ascendiam a 120 horas de trabalho por semana.
Estes excessos parecem incompreensíveis face a estudos disponíveis que mostram que a performance cognitiva diminui acentuadamente com o excesso e fadiga no trabalho. Surowiecki analisa algumas explicações possíveis, tais como os efeitos perversos que resultam de remunerações à hora que potenciam a extensividade. Pelo que pude elaborar sobre o assunto, é difícil encontrar explicação de caráter económico para esta cumplicidade, até porque neste tipo de trabalhadores continua a não haver medidas robustas de produtividade e com isso ausência de método para comparar custos e benefícios de prática tão doentia.
Inclino-me para uma explicação de natureza intra-organizacional, baseada essencialmente em fenómenos de emulação coletiva, autênticos rituais de compromisso, do tipo “eu sou mais comprometido com a empresa do que o meu colega”, potenciados por modelos de gestão de recursos humanos que acenam com a cenoura dos sobreganhos do setor financeiro. Uma espécie de loucura consentida, internalizada pelos que jogam o jogo, aqui e ali reforçada por algum doping de circunstância ou de continuidade mais ou menos viciosa.

Sem comentários:

Enviar um comentário