Prefácio:
Os tempos são de intenso trabalho profissional. Pouco tempo, por isso, para
a pesquisa e estudo que este blogue exige. Daí provavelmente alguma
irregularidade da minha parte.
O tema de hoje
Os dados que a Direção Geral do Orçamento
publicará amanhã sobre o défice de 2013 culminarão seguramente o processo de
branqueamento com foguetes (e champanhe à mistura, provavelmente) que está em
curso para demonstrar à populaça que tudo correu pelo melhor e que tivemos o
melhor “ajustamento” dos últimos tempos. Esse branqueamento tem cúmplices. Na
concretização do memorando, atitudes de “nós somos bons
alunos” (os gregos, alunos sem futuro) e “se tu
matas eu esfolo” materializaram um pacto de sangue entre os ideólogos
do “ajustamento austeritário” e os seus fiéis e abnegados cumpridores. Rezam as
más-línguas que no primeiro embate com a nova maioria as autoridades comunitárias
da Troika ficaram impressionadas com tanta solicitude, sobretudo com a
facilidade com que afastaram a hipótese de intervir significativamente nas
rendas das “facilities” ou das PPP e
se viraram para os cortes. O “aguentam, ai aguentam” que um desbocado Ulrich
deixou ao tempo escapar foi bem mais do que uma disfunção oral, ele traduzia,
bem lá no fundo, o que ficava oculto e implícito na forma como se definiam as
regras do ajustamento. Mas ultrapassada essa perplexidade inicial, a
cumplicidade instalou-se.
Agora que os sinais de recuperação económica estão
aí (o ciclo económico não deixou de existir mesmo com austeridade, por isso
recuperação não necessariamente com resolução dos problemas estruturais), os
riscos da espiral recessiva parecem ultrapassados, os mercados da dívida dão tréguas
e até o orçamento da Segurança Social de 2013 foi excedentário, um outro
branqueamento e uma outra cumplicidade com os mesmos personagens estão
instalados e em força. Os interesses de uma administração política europeia
interessada em mostrar que esta era a receita certa (Alemanha e seus parceiros,
oblige) (parte dela é candidata por
forças interpostas às europeias) combinam-se com os de uma maioria também interessada
em mostrar que o regresso aos mercados é possível. E mais do que isso,
fortemente estimulada por um PS que necessita todos os dias de Viagra político
para demonstrar dureza, intransigência e capacidade de mobilização política, a
maioria começa a vislumbrar que não está totalmente afastada (mesmo que com
casamentos de conveniência e prontos para a primeira traiçãozinha já que nem
sequer de traições são capazes) de uma possível vitória nas legislativas.
E aqui é que entra o contrafactual que torna
estranho o título de hoje. Descansem os mais conhecidos que não vou falar-vos
de metodologias de avaliação, nas quais o contrafactual tem sido nos últimos
anos fonte de cabelos brancos e de intensos desafios de trabalho profissional. Falo
de contrafactual como forma de debate político e de demonstração de que o
branqueamento em curso não passa de um dos mais gordos e despudorados embustes
da história política nacional e europeia.
Entendamo-nos. A única forma de contrariar o
branqueamento cúmplice que autoridades europeias e maioria alimentaram entre si é lançar para o
debate os custos que o processo determinou para a sociedade portuguesa. Esse é
por exemplo o objetivo do paper que a minha colega Maria Pilar González e eu próprio
publicaremos (com ecos de grande recetividade ao nosso argumento) sobre os
efeitos na decomposição do incipiente modelo de estado social europeu em Portugal.
Mas provavelmente não chegará. Em boa verdade (científica), teríamos que
demonstrar que teria sido possível um “outro ajustamento” com resultados similares
e custos não só mais atenuados como melhor distribuídos. Ora esta demonstração
releva do que eu chamo o contrafactual político, impossível de conseguir, nem
sequer com uma experiência de ajustamento similar em outro país. Em meu
entender, o contrafactual enfrenta uma extrema dificuldade de validação política,
a experiência mostra que, em condições normais, o branqueamento dos processos
com resultados (não necessariamente percebidos do mesmo modo por todos) colhe sempre mais louros do que o seu contrário.
Como a teoria económica e a econometria
dificilmente nos ajudarão, o único contrafactual possível virá das urnas. Mas
nas europeias e nas legislativas não estarão apenas em confronto os resultados superficiais
do ajustamento e os custos bem reais (desigualmente percebidos) que a terapia
gerou impunemente. Estarão em jogo sentimentos de confiança e de dúvida em
relação aos protagonistas. Afinal um estranho contrafactual: ter confiança em
quem se propõe, agora não no passado, mas sim no futuro construir uma solução
com menos custos do que aquela que está agora a ser branqueada.
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