terça-feira, 28 de janeiro de 2014

DESEMPREGO, PARA NÃO ESQUECER



O meu amigo Carlos da Silva Costa (CSC), ao leme do Banco de Portugal, prepara bem as suas alocuções no exterior da instituição, combinando na perfeição a sua própria intuição, criatividade e sólida formação teórica com o potencial de conhecimento que a massa cinzenta da instituição proporciona.
Por isso, cada uma das suas intervenções é por mim analisada com a atenção que esse modo de aparecimento justifica, correspondendo-lhes significados diferenciados em função do contexto e momento em que são produzidas.
A intervenção na Conferência da ACEGEAssociaçãoCristã de Empresários e Gestores dedicada ao tema “Uma reflexão Cristã sobre o Trabalho e o Emprego em Portugal” não foge à regra. O tema da conferência é muito relevante sobretudo porque, em tempos de relógio a contar para o pós Troika e nos quais a recuperação da confiança dos mercados parece sobrepor-se à ponderação dos custos que esse retorno de confiança implicou, recordar o desemprego e as suas manifestações estruturais e de longa duração é um ato simultaneamente saudável e imperioso.
Ao longo da sua apresentação, CSC coloca-nos perante alguns traços estruturais do mercado de trabalho em Portugal que devem ser convocados em permanência para qualquer debate sobre as famigeradas reformas estruturais que apresentam uma incidência bem mais lata do que a vulgata sugere e que acabam sempre por regra por conduzir ao mercado de trabalho, pour cause.
Um dos dados relevantes que a apresentação de CSC traz ao debate é a baixíssima taxa de reconversão de contratos a prazo em permanentes: 12,1% em Portugal contra 28,3% em Espanha, 31,3% na Grécia e 46,3% na Irlanda, refletindo um modelo de funcionamento que curiosamente está mais perto do francês (13,6%) do que de outro modelo. Mesmo considerando que o prémio salarial dos contratos permanentes não é comparativamente muito elevado no plano europeu (15,8%), estamos perante a cristalização da precariedade e com tudo o que isso significa em termos de trajetória vulnerável no mercado de trabalho para uma proporção significativa de ativos.

Mas o fator mais relevante da apresentação é a incidência no comportamento do desemprego estrutural e do desemprego de longa duração. Desemprego estrutural e de longa duração são categorias distintas, embora a leitura comum tenda a confundi-las. O desemprego estrutural é uma categoria económica e procura medir a percentagem de desemprego em relação à população ativa que tenderá a manter-se mesmo que a economia recupere ciclicamente, representando um desajustamento estrutural entre oferta e procura de trabalho ou em versões mais relacionadas com os skills de uma economia um desajustamento entre oferta de qualificações e procura de competências. Versões mais sofisticadas deste contexto associam-no à chamada NAIRU (non-accelerating inflation rate of unemployment), mas isso levar-nos-ia bem mais longe do que este post pretende chegar. O desemprego de longa duração, por sua vez, é uma categoria estatística e mede a percentagem de desempregados na população ativa que procura ativamente emprego e não o consegue obter há mais de 12 meses. Como é intuitivo, não são a mesma coisa, mas tocam ambas o problema do afastamento prolongado de uma lógica simples e rápida de perda e recuperação de um posto de trabalho. Na apresentação, CSC fala do continuado aumento da taxa de desemprego estrutural (ver gráfico abaixo) para a qual o Banco de Portugal aponta a estimativa de 11,5% em 2013 e do também contínuo aumento do peso do desemprego de longa duração, o qual representou já em ¾ do ano de 2013 62% do desemprego total.

Em época em que o desemprego jovem parece constituir a fixação da maioria governamental, a intervenção de CSC foca e bem os mecanismos de coesão e proteção social necessários para conter os efeitos perversos e inversamente dinâmicos do desemprego de longa duração: apoio ao rendimento anti-exclusão e formação intensa de requalificação de desempregados. Tais mecanismos são cruciais para que a transformação estrutural em curso da economia portuguesa focada nos transacionáveis possa absorver parte deste autêntico flagelo. Em meu entender, CSC talvez exagere o contributo potencial da inovação radical em Portugal para absorver este problema, não só porque o modelo de inovação em Portugal ainda é e provavelmente continuará a ser incremental e não substancialmente disruptivo, mas sobretudo porque o esforço de requalificação dos desempregados de longa duração para os colocar em condições de tirar partido da transformação estrutural é “colossal” (sem qualquer conotação abusiva). É um facto que parte da acumulação deste desemprego desqualificado resultou inexoravelmente da destruição de parte do setor produtivo não transacionável. Mas convém não ignorar que a destruição desproporcionada (pela austeridade não calculada) das atividades ligadas ao mercado interno também explica uma parte não despicienda dos 62% do desemprego total.
Curiosamente, no discurso do Estado da Nação que Obama estará a proferir por estes dias, uma parte do discurso respeitará a um plano para combater a discriminação contra os desempregados de longa duração. Jonathan Chait dedica-lhe uma excelente peça.

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