O meu amigo Carlos da Silva Costa (CSC), ao leme
do Banco de Portugal, prepara bem as suas alocuções no exterior da instituição,
combinando na perfeição a sua própria intuição, criatividade e sólida formação
teórica com o potencial de conhecimento que a massa cinzenta da instituição
proporciona.
Por isso, cada uma das suas intervenções é por
mim analisada com a atenção que esse modo de aparecimento justifica,
correspondendo-lhes significados diferenciados em função do contexto e momento
em que são produzidas.
A intervenção na Conferência da ACEGE – AssociaçãoCristã de Empresários e Gestores dedicada ao tema “Uma reflexão Cristã sobre o
Trabalho e o Emprego em Portugal” não foge à regra. O tema da conferência é
muito relevante sobretudo porque, em tempos de relógio a contar para o pós Troika
e nos quais a recuperação da confiança dos mercados parece sobrepor-se à
ponderação dos custos que esse retorno de confiança implicou, recordar o
desemprego e as suas manifestações estruturais e de longa duração é um ato
simultaneamente saudável e imperioso.
Ao longo da sua apresentação, CSC coloca-nos
perante alguns traços estruturais do mercado de trabalho em Portugal que devem
ser convocados em permanência para qualquer debate sobre as famigeradas
reformas estruturais que apresentam uma incidência bem mais lata do que a
vulgata sugere e que acabam sempre por regra por conduzir ao mercado de
trabalho, pour cause.
Um dos dados relevantes que a apresentação de CSC
traz ao debate é a baixíssima taxa de reconversão de contratos a prazo em
permanentes: 12,1% em Portugal contra 28,3% em Espanha, 31,3% na Grécia e 46,3%
na Irlanda, refletindo um modelo de funcionamento que curiosamente está mais
perto do francês (13,6%) do que de outro modelo. Mesmo considerando que o prémio
salarial dos contratos permanentes não é comparativamente muito elevado no
plano europeu (15,8%), estamos perante a cristalização da precariedade e com
tudo o que isso significa em termos de trajetória vulnerável no mercado de
trabalho para uma proporção significativa de ativos.
Mas o fator mais relevante da apresentação é a
incidência no comportamento do desemprego estrutural e do desemprego de longa
duração. Desemprego estrutural e de longa duração são categorias distintas,
embora a leitura comum tenda a confundi-las. O desemprego estrutural é uma
categoria económica e procura medir a percentagem de desemprego em relação à
população ativa que tenderá a manter-se mesmo que a economia recupere
ciclicamente, representando um desajustamento estrutural entre oferta e procura
de trabalho ou em versões mais relacionadas com os skills de uma economia um desajustamento entre oferta de qualificações
e procura de competências. Versões mais sofisticadas deste contexto associam-no
à chamada NAIRU (non-accelerating inflation
rate of unemployment), mas isso levar-nos-ia bem mais longe do que este post pretende chegar. O desemprego de
longa duração, por sua vez, é uma categoria estatística e mede a percentagem de
desempregados na população ativa que procura ativamente emprego e não o
consegue obter há mais de 12 meses. Como é intuitivo, não são a mesma coisa,
mas tocam ambas o problema do afastamento prolongado de uma lógica simples e rápida
de perda e recuperação de um posto de trabalho. Na apresentação, CSC fala do
continuado aumento da taxa de desemprego estrutural (ver gráfico abaixo) para a
qual o Banco de Portugal aponta a estimativa de 11,5% em 2013 e do também contínuo
aumento do peso do desemprego de longa duração, o qual representou já em ¾ do
ano de 2013 62% do desemprego total.
Em época em que o desemprego jovem parece
constituir a fixação da maioria governamental, a intervenção de CSC foca e bem
os mecanismos de coesão e proteção social necessários para conter os efeitos
perversos e inversamente dinâmicos do desemprego de longa duração: apoio ao
rendimento anti-exclusão e formação intensa de requalificação de desempregados.
Tais mecanismos são cruciais para que a transformação estrutural em curso da
economia portuguesa focada nos transacionáveis possa absorver parte deste autêntico
flagelo. Em meu entender, CSC talvez exagere o contributo potencial da inovação
radical em Portugal para absorver este problema, não só porque o modelo de
inovação em Portugal ainda é e provavelmente continuará a ser incremental e não
substancialmente disruptivo, mas sobretudo porque o esforço de requalificação dos
desempregados de longa duração para os colocar em condições de tirar partido da
transformação estrutural é “colossal” (sem qualquer conotação abusiva). É um
facto que parte da acumulação deste desemprego desqualificado resultou
inexoravelmente da destruição de parte do setor produtivo não transacionável. Mas
convém não ignorar que a destruição desproporcionada (pela austeridade não
calculada) das atividades ligadas ao mercado interno também explica uma parte não
despicienda dos 62% do desemprego total.
Curiosamente, no discurso do Estado da Nação que
Obama estará a proferir por estes dias, uma parte do discurso respeitará a um
plano para combater a discriminação contra os desempregados de longa duração. Jonathan Chait dedica-lhe uma excelente peça.
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