segunda-feira, 23 de março de 2015

À BOLEIA DE GILLIAN TETT E DE MARTHA NUSSBAUM

(Seven liberal Arts)


Pode parecer que tenho uma fixação por louras não burras, mas é só aparência. O modo como me revejo na estimulante Gillian Tett, colunista do Financial Times, é apenas fruto do facto de apreciar a diversidade heterodoxa de uma jornalista que, em princípio, escreve sobre mercados financeiros e isso diz tudo da personagem. Conseguir ser estimulante como jornalista de mercados financeiros é por si só um prodígio.

 (Gillian Tett)
A última crónica de Gillian Tett vem ao encontro de uma preparação difícil que tenho realizado para participar num encontro algo misterioso que a Fundação Calouste Gulbenkian organiza na próxima quarta-feira na Reitoria da Universidade do Porto. Sei apenas que se trata de uma reunião de trabalho com gente da Região de suporte a uma obra que estará em elaboração sob os auspícios da Fundação, centrada na evolução do ensino superior, sob a coordenação do Professor Júlio Pedrosa. É uma forma muito portuguesa de preparar reuniões de trabalho desta natureza, parece que o tempo não conta para muito boa gente na administração e intelectualidade portuguesa, porque se contasse esforçar-se-iam por preparar melhor a eficácia com que aproveitam o tempo e o conhecimento dos outros.
Pois em contexto de navegação à vista pelos temas contemporâneos da formação superior dei com esta crónica recente da criativa Gillian, crónica que versa sobre a procura de níveis de criatividade mais disseminada na formação superior, tendo em conta a obsolescência rápida que atinge a formação mais tecnológica e vocacional, sobretudo à medida que, entre outros aspetos, a robotização rapidamente substitui tais vocações.
E nada melhor para amenizar a noite do que esta citação da desempoeirada Gillian:

O que um país como a América deve proporcionar aos seus estudantes são aptidões (skills) que não possam ser replicadas por robots (ou que o possam vir a ser em futuro próximo), designadamente a capacidade para pensar clara e criativamente. E é isso precisamente que os cursos de artes liberais (liberal arts ou liberal studies) proporcionam, fazendo os estudantes mergulhar na miscelânea da ciência social, estudos literários e outros, tornando-se intelectualmente mais curiosos, de mente mais aberta e criativos e o argumento colhe. E se esta aprendizagem puder ser combinada com alguma ciência e matemática, então os efeitos serão poderosos.”

Voltamos à velha questão do reequilíbrio necessário das formações tecnológicas facilmente perecíveis com artes, humanidades e outros estudos liberais no velho sentido do termo e na aceção de tentativas modernas de criar programas profundamente interdisciplinares, flexível sem perder solidez de base.

O problema é que este reequilíbrio deve processar-se num contexto particularmente difícil de procura de novos caminhos para a formação superior, nos quais se sobrepõem apelos à:

  • Melhoria de condições de empregabilidade de licenciados;

  • Melhoria da articulação da formação superior com a investigação;

  • Necessidade de não se perder de vista a formação para a formação cidadã (Martha Nussbaum, Not for Profit: Why Democracy Needs the Humanities, Princeton University Press, (2010)) não diretamente articulada com a produtividade e com a formação de lucro;

  • Mais proactiva procura de financiamento que não apenas o financiamento público, designadamente através da internacionalização, outward (formando no exterior) ou inward (formando cá alunos estrangeiros);

  • Necessidade profunda de revisão da rede de oferta, com profundas implicações territoriais, não acomodáveis apenas na política de ensino superior, mas implicando um forte contgributo das políticas de desenvolvimento regional.


 (Martha Nussbaum)
Enfim, duas mulheres, por sinal ambas loiras, a pairar sobre este post: Gillian Tett e Martha Nussbaum, com percursos bem diferentes, mas convergentes neste tema.

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