Morreu anteontem aos 91 anos o pai fundador de Singapura, Lee Kuan Yew. Um homem que foi primeiro-ministro durante mais de três décadas e a quem é habitualmente atribuída a maior dose de responsabilidade na revolucionária transformação de uma cidade-estado de um entreposto britânico pouco dinâmico num importante centro regional em termos financeiros, de serviços e tecnológicos. Não sem previamente ter passado pelo “momento de angústia” de 1965, aquele que o levou à então indesejada renúncia a uma federação com a Malásia e que finalmente resultaria num daqueles momentos de viragem demonstrativos de que não há campeão sem sorte ou, melhor, do papel (mais ou menos residual que possa ser...) do factor acaso no desenrolar dos processos económicos e sociais.
Além do registo do facto em si, sobretudo na medida em que Lee foi um líder verdadeiramente histórico e o grande e pragmático expoente do chamado “modelo de Singapura” (poder centralizado e autoritário, governo eficiente e enxuto, política económica liberal e business-friendly, clima social dominado pela contenção e pela ordem – quem já por lá passou entenderá na perfeição aquilo de que estou a falar...) e da afirmação asiática observada no último quartel do século XX (ver gráfico abaixo evidenciando a evolução do PIB por habitante de Singapura desde o início dos anos 60), quero aqui também fazer ressaltar as dimensões contraditórias que atravessaram o seu consulado. Porque, e focando-me sobretudo em matérias de desenvolvimento e crescimento económico, o nome de Lee ficará inquestionavelmente associado a heterodoxias como as da ultrapassagem dos recursos e dotações naturais, do “geografia não é destino” e do primado dos fatores institucionais e culturais internos, bem assim como aos correlativos advento e sucesso dos chamados “tigres do sudeste asiático” ou “novos países industrializados” – para não referir um menos adquirido contributo para uma visão menos convencional da dicotomia Estado versus mercado –, mas ficará também indissoluvelmente ligado às polémicas teses que apontam para uma relação inversa entre desenvolvimento e democracia (um tema que nos levaria para muito longe daqui).
A vida e a ação pública de Lee conheceram componentes que o não qualificam para a consensualização da sua relevância à escala global. Mas não deixou por isso de ser um grande patriota, um líder forte e um visionário focado. Ele que sempre se considerou ideology-free e que um dia declarou que “se não tivéssemos as boas referências do Oeste para nos guiarem, não teríamos saído do nosso atraso” mas que a tal quis acrescentar que “não queremos tudo o que nos venha do Oeste”. Será certamente fascinante uma leitura dos dois volumes das longas memórias (“The Singapore Story” e “From Third World to First: 1965-2000”) deste vulto que marcou uma época e agora desaparece quando o filho está ao comando, o mesmo homem que um dia reagiu assim perante um repórter da BBC que o acusava de sufocar a criatividade dos seus concidadãos ao proibir o consumo de pastilhas elásticas: “Se não consegue pensar por não poder mascar, experimente uma banana”...
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