Sem qualquer informação prévia do conteúdo da discussão
que nos iria ser solicitado pela equipa da Fundação Calouste Gulbenkian que,
sob a coordenação do Professor Júlio Pedrosa, está a realizar um estudo sobre o
futuro do ensino superior em Portugal, a manhã foi mesmo nesse contexto de
incerteza estimulante. Caras conhecidas: Eduardo Marçal Grilo (Fundação
Calouste Gulbenkian), José Manuel Mendonça (Faculdade de Engenharia e
INESC-TEC), José Maria Azevedo (CCDR-N), Luís Portela (Bial), Manuel Carmelo
Rosa (Fundação Calouste Gulbenkian), Maria João Vasconcelos (Museu de Soares
dos Reis), Pedro Guedes de Oliveira (Faculdade de Engenharia), Pedro Teixeira
(Faculdade de Economia do Porto, CIPES e Vice-Reitor da UP), Rosário Gamboa
(Instituto Politécnico do Porto) e este vosso servo.
Fiquei sem saber se o estudo está ou não em fase avançada
de concretização, pressinto que se vai debater com a sempre quente questão de
reorganização da rede, particularmente com a questão do politécnico à bica
(notei na intervenção da Professora Rosário Gamboa alguma tensão, provavelmente
teria mais informação), mas de qualquer modo a discussão ali travada esteve
muito para além do que se vai ouvindo e lendo pelos sítios do costume.
Lancei com êxito para a mesa a minha velha metáfora dos
stocks e dos fluxos, mostrando que a outrora paixão pela educação está hoje
esmorecida como flor em decomposição precoce, esmorecimento que passa pelo
abandono dos stocks (alguma desistência de combater a inércia das baixas
qualificações) e pelo enfraquecimento dos fluxos (a demografia e o fraco
impulso da política penalizam o crescimento das taxas de participação.
Acrescentei que, apesar do esmorecimento, se observa ainda hoje um
significativo lag entre a melhoria
das qualificações e a sua absorção pelo tecido económico. O Dr. Luís Portela
deu a este último argumento uma outra centralidade, invocando que o país não
foi capaz de em matéria de desenvolvimento económico ter o foco que teve na
ciência e tecnologia, criando por isso uma situação indesejável de rendimentos
decrescentes precoces na absorção dos investimentos familiares e públicos na
formação de novas qualificações. Curiosamente, Luís Portela assumiu mesmo a
expressão de que a Economia não teve o seu Mariano Gago, não tendo havido por
isso um rumo de desenvolvimento económico capaz de alavancar o esforço
realizado pelo país e pelas famílias em matéria de formação.
Um outro debate interessante foi introduzido por Eduardo
Marçal Grilo em torno do conceito de rede de ensino superior. Crítico do conceito
de rede imposta por via descendente (top-down),
Marçal Grilo suscitou a questão da política pública ter de trabalhar em função
da dinâmica ascendente de cooperação (bottom-up)
entre as instituições (universidades e politécnicos), ou seja trabalhando a
dinâmica de progressão observada no terreno. Complementarmente, focou-se na
preocupação de que a grande maioria das Escolas não são “organizações” no
sentido de serem portadoras de estratégias e correspondente adaptação
organizacional. O debate instalou-se sobretudo porque Rosário Gamboa defendeu
que a perspetiva de reorganização da rede exclusivamente conduzida segunda uma
lógica bottom-up é algo ingénua e que
necessita de uma regulação intermédia. A questão do contexto de partida e da
diferenciação que é necessário encontrar para as instituições existentes, superando o estádio infantil de andarem todas a fazer o
mesmo. Também concordo com esta posição. A regulação pública não pode excluir-se
da fixação de objetivos à organização bottom-up
da rede e das cooperações, articulações ou mesmo fusões que venham a emergir.
No fim da sessão e já em amena cavaqueira, o Pedro Guedes
de Oliveira dizia que a sociedade portuguesa precisava de mais espaços
informais de condensação do conhecimento como aquele que se havia ali
espontaneamente formado. Espaços não inquinados pela lógica da representação
político-partidária e animados por gente que têm uma perspetiva construtiva do
desenho de soluções. Espaços que emanem da sociedade civil organizada e que
cheguem à decisão política. Não posso estar mais de acordo. O problema é não
saber como gerar esses espaços de condensação do conhecimento.
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