A crónica de sexta-feira de Vasco Pulido Valente no
Público constitui uma daquelas deceções provenientes de não ser agradável
reconhecer a senilidade intelectual de quem julgávamos uma referência.
A forma desleixada e teimosa como VPV invoca um pretenso
determinismo da história para negar a influência da educação e da melhoria das
qualificações nos processos de desenvolvimento económico, em resposta a uma
carta de leitor, constitui a prova irrefutável de como parou no tempo e como imperialística
e arrogantemente se fechou no casulo da história, completamente à margem de
outro pensamento sobre a matéria.
Vejamos como é que VPV parou no tempo:
“ (…) O
desenvolvimento económico depende dos recursos natuaris (antigamente do carvão
e do ferro), da situação geográfica, das comunicações, dos capitais disponíveis,
do mercado interno actual ou potencial, das vantagens no mercado externo, da
estabilidade social e política, da eficácia do Estado e por aí fora. Não
depende da educação e formação do povo. Pelo contrário, a educação e a formação
do povo dependem de um desenvolvimento regular e crescente (…).”
Como regra geral acontece, VPV esquece as mediações económicas
dos processos. Está no seu direito, mas não pode ser arrogante para com outras
ciências, sobretudo porque ao contrário do que o seu ego martirizado o convida
a pensar, há entre essas ciências gente bem mais brilhante do que o seu próprio
brilho. VPV teria razão em criticar o determinismo dos teóricos do capital
humano que consideram as qualificações um fator de desenvolvimento por si só,
como o são alguns dos recursos que VPV invoca na sua velha “teorização” dos
processos de desenvolvimento que consta da passagem anterior. De facto, a
educação exerce uma das suas grandes influências no desenvolvimento económico
através da mediação empresarial e do tipo de especialização produtiva que tende
a potenciar. Não há um determinismo da educação e da formação do povo como não
há um determinismo da história a que VPV gosta tanto de se acolher. VPV pode se
o entender criticar os que pensam que basta inundar a sociedade portuguesa de
mais qualificações (algumas pouco “qualificadas” pela qualidade dos processos
formativos) para resolver o problema do nosso desenvolvimento, ou seja os que
ingenuamente pensam que a procura de qualificações se ajusta espontâneamente à
oferta. Mas, para além das mediações empresariais e produtivas, a educação e a
formação do povo são cruciais para o desenvolvimento cívico e democrático que
atravessa múltiplas formas do nosso relacionamento com os outros e com a
sociedade, seja na formação da opinião pública, seja em aspetos mais
elementares como o simples ato de conduzir decentemente sem riscos para os
outros que se cruzam connosco.
VPV poderia também falar se nisso estivesse interessado
na trágica metáfora dos stocks (inércia) e dos fluxos que aflige uma sociedade como
a portuguesa e que define hoje o nosso destino. Mesmo com tanta paixão pela
educação (que entretanto esmoreceu e corre o risco de se inverter) a melhoria
dos fluxos (a chegada dos melhor educados que os seus pais e avós) tem de ser
muito intensa para compensar a força tenebrosa da inércia (as baixas qualificações
do passado que se transmitiram ao presente e que pesam hoje quer no emprego
quer no desemprego de longa duração).
Mas uma dúvida persiste. VPV chega à ideia de que a educação
e formação do povo dependem do desenvolvimento e não o seu contrário por um
simples apelo ao determinismo da história ou como fruto do seu ego
desgraçadamente elitista e arrogante que o leva a pensar que à sua volta é tudo
uma cambada de ignorantes? Tudo leva a crer que a educação das massas, com toda
a degradação que um processo de massificação tende por vezes a gerar,
preferindo a quantidade e denegrindo a qualidade, deve horrorizar a sua mente
passadista, de elites rodeadas de desqualificados submissos. É possível, mas a
história não está com ele. É a vida. Recomenda-se que se preserve e que se
mantenha rigorosamente afastado das massas.
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