Num governo parco de figuras eficazes e identificadas com
as reais necessidades do país, por isso numa média baixinha e pouco ambiciosa,
há desvios mesmo assim para baixo, isto é, bastante aquém do mínimo recomendável.
Uma das últimas e hilariantes manifestações dessa insuficiência é o anúncio
pelo big flop Pedro Lomba de um
programa para atração de empreendedores que tenham saído do país. Para além de
apresentar um programa ainda sem dotação orçamental específica, o que diz bem do
estilo de governar, o secretário de Estado lá foi dizendo que daria para uns 30
a 40 projetos. Simplesmente hilariante.
Mas talvez a mais desastrada seja a governação de Nuno Crato,
sobretudo se nos dermos ao trabalho de acumular as incongruências, os avanços e
recuos, as incompetências, as gaffes, os preconceitos. Há tempos, interrogado
por um jornalista acerca do que faria se tivesse recursos orçamentais para tal,
Crato saiu-se com esta, que terá feito as delícias de Maria Lurdes Rodrigues, que
modernizaria escolas.
Hoje não quero falar disso, mas de um outro tema que me é
caro e sobre o qual tenho acumulado alguma pesquisa nos tempos mais recentes, o
caso do ensino superior politécnico.
Crato e a sua equipa (largamente acolitado por deputados
do PSD com Pedro Lynce à cabeça) começaram a governação com uma ideia errada
sobre o relacionamento atual entre o sistema universitário e o ensino superior
politécnico. Crato recuou no tempo e pensou o sistema como já nem sequer Veiga
Simão o pensava nos anos 70. Pensou que o sistema binário estava intacto. A Universidade
faria um ensino baseado na investigação e o Politécnico um ensino
essencialmente aplicado, centrado em ambientes de grande proximidade (regional)
ao mercado de trabalho, com natureza essencialmente técnica e grande aposta nos
saberes-fazer contextualizados. O secretário de Estado Ferreira Gomes (Faculdade
de Ciências do Porto) atiçou esta perspetiva, afirmando em alguns locais que o
Politécnico deveria formar canalizadores especializados (posso provar onde foram
feitas estas declarações), assumindo uma claríssima desvalorização do ensino
politécnico.
Ora, o problema é que o sistema não tem a pureza de binário
que os senhores governantes conceberam. A Universidade ministra, e bem em
certos contextos, ensino baseado em saberes-fazer contextualizados, ou seja
entrou pelo Politécnico dentro, à procura de procura. O profissionalizante há
muito que entrou na Universidade. Para além disso, Universidade de ensino “research-based”, seria bom, mas está
limitado a uns poucos que o podem fazer.
Por outro lado, o ensino superior politécnico, acossado
pelo regulador e pela tutela para investir na qualificação dos seus docentes,
realizou num espantoso esforço de realização de doutoramentos e, em casos ainda
pontuais, é reconhecido entre pares. Não pode conceder doutoramentos, mas
muitos dos seus doutorados participam em júris e processos de doutoramento
universitários.
Por isso, a pureza do sistema binário nem vê-la. O
sistema está interpenetrado e como seria de esperar, o politécnico
polarizou-se, com uma grande heterogeneidade entre as maiores instituições, IP
do Porto, Coimbra e Lisboa, mas também de casos relevantes em Setúbal e Leiria,
por exemplo, com forte relação com os sistemas produtivos locais.
A última habilidade de Crato e Gomes foi a criação dos CTeSP,
Cursos Técnicos Superiores Profissionais, cursos superiores de dois anos sem
diploma, ISCED 5, entendidos como uma espécie de continuidade do ensino
vocacional pelo ensino superior, entre coisas com um efeito estatístico de
aumento da taxa de participação no ensino superior. E meteu os politécnicos ao
barulho, acenando-lhe como a única fonte de financiamento possível (Fundos
Estruturais) com que poderiam contar se aderissem a estes cursos. Como se
compreende, incentivar (acossar) os Institutos Politécnicos para doutorar
docentes e atribuir-lhe depois um ensino vocacional superior é uma ideia
brilhante. Chamo-lhe simplesmente destruição de recursos.
Como se compreende, o ensino superior politécnico enfrenta
um problema grave de insuficiência de procura, de teor essencialmente demográfico
e de esvaziamento de parte considerável dos territórios de entorno e influência
de grande número de instituições politécnicas. O problema não pode ser ignorado
e não creio que possa ser resolvido sem libertação de efetivos ou transferência
inter-serviços. Não entender que essa questão não pode ser resolvida
homogeneamente para todo o sistema politécnico não é próprio de quem deveria
ter raciocínio científico. Será que o Instituto Politécnico do Porto enfrenta
um problema demográfico de procura? Seguramente, não do ponto de vista global.
A polarização no ensino superior politécnico que eu e o
meu filho Hugo identificámos num artigo para a obra coletiva (Universidade de Évora),
Redes de Ensino Superior está hoje a manifestar-se tragicamente numa rotura
total no interior do CSISP, tendo os politécnicos do Porto, Coimbra e Lisboa
reagido, batendo com a porta com a mais que provável queda da exigência de qualificações
mínimas para entrada no ESP.
Tudo isto porque um desajeitado e mal avisado Crato não
compreendeu que o ensino superior politécnico mudou radicalmente e que não pode
ser olhado de forma homogénea.
Bem à moda da má governação portuguesa, o problema
seguramente será “resolvido” com quebra de qualidade, destruição de recursos e
das iniciativas mais capazes.
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