sábado, 14 de março de 2015

POLITÉCNICOS




Num governo parco de figuras eficazes e identificadas com as reais necessidades do país, por isso numa média baixinha e pouco ambiciosa, há desvios mesmo assim para baixo, isto é, bastante aquém do mínimo recomendável. Uma das últimas e hilariantes manifestações dessa insuficiência é o anúncio pelo big flop Pedro Lomba de um programa para atração de empreendedores que tenham saído do país. Para além de apresentar um programa ainda sem dotação orçamental específica, o que diz bem do estilo de governar, o secretário de Estado lá foi dizendo que daria para uns 30 a 40 projetos. Simplesmente hilariante.
Mas talvez a mais desastrada seja a governação de Nuno Crato, sobretudo se nos dermos ao trabalho de acumular as incongruências, os avanços e recuos, as incompetências, as gaffes, os preconceitos. Há tempos, interrogado por um jornalista acerca do que faria se tivesse recursos orçamentais para tal, Crato saiu-se com esta, que terá feito as delícias de Maria Lurdes Rodrigues, que modernizaria escolas.
Hoje não quero falar disso, mas de um outro tema que me é caro e sobre o qual tenho acumulado alguma pesquisa nos tempos mais recentes, o caso do ensino superior politécnico.
Crato e a sua equipa (largamente acolitado por deputados do PSD com Pedro Lynce à cabeça) começaram a governação com uma ideia errada sobre o relacionamento atual entre o sistema universitário e o ensino superior politécnico. Crato recuou no tempo e pensou o sistema como já nem sequer Veiga Simão o pensava nos anos 70. Pensou que o sistema binário estava intacto. A Universidade faria um ensino baseado na investigação e o Politécnico um ensino essencialmente aplicado, centrado em ambientes de grande proximidade (regional) ao mercado de trabalho, com natureza essencialmente técnica e grande aposta nos saberes-fazer contextualizados. O secretário de Estado Ferreira Gomes (Faculdade de Ciências do Porto) atiçou esta perspetiva, afirmando em alguns locais que o Politécnico deveria formar canalizadores especializados (posso provar onde foram feitas estas declarações), assumindo uma claríssima desvalorização do ensino politécnico.
Ora, o problema é que o sistema não tem a pureza de binário que os senhores governantes conceberam. A Universidade ministra, e bem em certos contextos, ensino baseado em saberes-fazer contextualizados, ou seja entrou pelo Politécnico dentro, à procura de procura. O profissionalizante há muito que entrou na Universidade. Para além disso, Universidade de ensino “research-based”, seria bom, mas está limitado a uns poucos que o podem fazer.
Por outro lado, o ensino superior politécnico, acossado pelo regulador e pela tutela para investir na qualificação dos seus docentes, realizou num espantoso esforço de realização de doutoramentos e, em casos ainda pontuais, é reconhecido entre pares. Não pode conceder doutoramentos, mas muitos dos seus doutorados participam em júris e processos de doutoramento universitários.
Por isso, a pureza do sistema binário nem vê-la. O sistema está interpenetrado e como seria de esperar, o politécnico polarizou-se, com uma grande heterogeneidade entre as maiores instituições, IP do Porto, Coimbra e Lisboa, mas também de casos relevantes em Setúbal e Leiria, por exemplo, com forte relação com os sistemas produtivos locais.
A última habilidade de Crato e Gomes foi a criação dos CTeSP, Cursos Técnicos Superiores Profissionais, cursos superiores de dois anos sem diploma, ISCED 5, entendidos como uma espécie de continuidade do ensino vocacional pelo ensino superior, entre coisas com um efeito estatístico de aumento da taxa de participação no ensino superior. E meteu os politécnicos ao barulho, acenando-lhe como a única fonte de financiamento possível (Fundos Estruturais) com que poderiam contar se aderissem a estes cursos. Como se compreende, incentivar (acossar) os Institutos Politécnicos para doutorar docentes e atribuir-lhe depois um ensino vocacional superior é uma ideia brilhante. Chamo-lhe simplesmente destruição de recursos.
Como se compreende, o ensino superior politécnico enfrenta um problema grave de insuficiência de procura, de teor essencialmente demográfico e de esvaziamento de parte considerável dos territórios de entorno e influência de grande número de instituições politécnicas. O problema não pode ser ignorado e não creio que possa ser resolvido sem libertação de efetivos ou transferência inter-serviços. Não entender que essa questão não pode ser resolvida homogeneamente para todo o sistema politécnico não é próprio de quem deveria ter raciocínio científico. Será que o Instituto Politécnico do Porto enfrenta um problema demográfico de procura? Seguramente, não do ponto de vista global.
A polarização no ensino superior politécnico que eu e o meu filho Hugo identificámos num artigo para a obra coletiva (Universidade de Évora), Redes de Ensino Superior está hoje a manifestar-se tragicamente numa rotura total no interior do CSISP, tendo os politécnicos do Porto, Coimbra e Lisboa reagido, batendo com a porta com a mais que provável queda da exigência de qualificações mínimas para entrada no ESP.
Tudo isto porque um desajeitado e mal avisado Crato não compreendeu que o ensino superior politécnico mudou radicalmente e que não pode ser olhado de forma homogénea.
Bem à moda da má governação portuguesa, o problema seguramente será “resolvido” com quebra de qualidade, destruição de recursos e das iniciativas mais capazes.

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