O desabafo regular de Bradford DeLong quanto à incompetência
de alguma imprensa americana, sobretudo no que diz respeito a literacia económica,
inspira o meu comentário de hoje e o tema é a penosa audição do Governador do Banco
de Portugal no âmbito do inquérito parlamentar às falcatruas do BES.
Não é minha preocupação discutir se Carlos Costa esteve
bem, mal ou assim-assim. Cansado estava e isso era visível. Não é agradável ver
um amigo sob aquele tipo de escrutínio. Podem por isso dizer-me por que razão
segui o canal do Parlamento durante mais de três horas, pouco antes de ter
começado a intervenção de Pedro Nuno dos Santos (PS) já depois das 19 horas. Não
é seguramente por mortificação doentia que o fiz. Fi-lo porque sei que a
tecnicidade do assunto é imensa e porque a audição do Governador é uma
excelente oportunidade para mergulhar com credibilidade nessa tecnicidade e
informar-se de um assunto sobre o qual não podemos ter opinião simplesmente
pela rama.
Admito que a intervenção de Carlos Costa tenha sido menos
conseguida no período anterior à minha visualização, não tive tempo de
rebobinar a audição. Continuo a admitir que há aspetos da intervenção do Banco
de Portugal menos claros do ponto de vista do timing em que foi realizada. Admito
também que muitas das interpelações naquela sala eram já comandadas pelo tipo
de resultados que cada grupo parlamentar deseja ver extraídos do inquérito e
que essa não é a postura em que o Governador tem de se colocar. Continuo a concordar
que o modelo de resolução é o menos mau que se poderia obter nas circunstâncias,
independentemente do resultado concreto da venda do Novo Banco. Não tenho também
por claro que o Banco de Portugal não tenha oscilado no modo como se referiu ao
longo do tempo à proteção dos subscritores de papel comercial, mas também não
me custa admitir que a ideia ontem sugerida por Carlos Costa de isolar as
situações de venda dolosa (misselling) e
de inverter para elas o ónus da prova, obrigando a instituição bancária a demonstrar
que o cliente iliterato teve a informação adequada e que a sua opção foi
consciente é uma boa base de discussão. Os números transacionados de 235.000 títulos nos dois dias antes da suspensão pela CMVM são um número mortífero para os dois reguladores, sobretudo para o banco de Portugal. Não tenho também dúvidas que é
praticamente impossível evitar situações de haircut,
sobretudo para os financeiramente mais letrados. Compreendi a estratégia do
Governador de tentar criar uma empatia com os deputados, desmontando por
antecipação agressividades. Sei que só uma pessoa muito bem preparada como
sabemos que o Governador é aguenta um escrutínio daquela natureza. Não discuto
a posição de “senhor na cruz” que o Governador assumiu para não incendiar a
posição do Governo nesta matéria.
Mas o que não compreendo é que a projeção da audição do
Governador na imprensa esteja muito aquém do que é exigido a um jornalismo
competente na transmissão de um assunto desta importância com a tecnicidade que
ele apresenta. O que eu ouvi na audição não corresponde às reportagens que
consegui ler e li bastantes relatos. Não me passa pela cabeça que quem estava
destinado a cobrir a audição não tivesse a mínima literacia financeira e se a
não a tivesse que não se tivesse preparado como um profissional. Desfocagem total e daí o desabafo de Bradford
DeLong: Oh, Oh why can’t we have a better press
corps?
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