quarta-feira, 25 de março de 2015

OH, OH WHY CAN’T WE HAVE A BETTER PRESS CORPS?



O desabafo regular de Bradford DeLong quanto à incompetência de alguma imprensa americana, sobretudo no que diz respeito a literacia económica, inspira o meu comentário de hoje e o tema é a penosa audição do Governador do Banco de Portugal no âmbito do inquérito parlamentar às falcatruas do BES.
Não é minha preocupação discutir se Carlos Costa esteve bem, mal ou assim-assim. Cansado estava e isso era visível. Não é agradável ver um amigo sob aquele tipo de escrutínio. Podem por isso dizer-me por que razão segui o canal do Parlamento durante mais de três horas, pouco antes de ter começado a intervenção de Pedro Nuno dos Santos (PS) já depois das 19 horas. Não é seguramente por mortificação doentia que o fiz. Fi-lo porque sei que a tecnicidade do assunto é imensa e porque a audição do Governador é uma excelente oportunidade para mergulhar com credibilidade nessa tecnicidade e informar-se de um assunto sobre o qual não podemos ter opinião simplesmente pela rama.
Admito que a intervenção de Carlos Costa tenha sido menos conseguida no período anterior à minha visualização, não tive tempo de rebobinar a audição. Continuo a admitir que há aspetos da intervenção do Banco de Portugal menos claros do ponto de vista do timing em que foi realizada. Admito também que muitas das interpelações naquela sala eram já comandadas pelo tipo de resultados que cada grupo parlamentar deseja ver extraídos do inquérito e que essa não é a postura em que o Governador tem de se colocar. Continuo a concordar que o modelo de resolução é o menos mau que se poderia obter nas circunstâncias, independentemente do resultado concreto da venda do Novo Banco. Não tenho também por claro que o Banco de Portugal não tenha oscilado no modo como se referiu ao longo do tempo à proteção dos subscritores de papel comercial, mas também não me custa admitir que a ideia ontem sugerida por Carlos Costa de isolar as situações de venda dolosa (misselling) e de inverter para elas o ónus da prova, obrigando a instituição bancária a demonstrar que o cliente iliterato teve a informação adequada e que a sua opção foi consciente é uma boa base de discussão. Os números transacionados de 235.000 títulos nos dois dias antes da suspensão pela CMVM são um número mortífero para os dois reguladores, sobretudo para o banco de Portugal. Não tenho também dúvidas que é praticamente impossível evitar situações de haircut, sobretudo para os financeiramente mais letrados. Compreendi a estratégia do Governador de tentar criar uma empatia com os deputados, desmontando por antecipação agressividades. Sei que só uma pessoa muito bem preparada como sabemos que o Governador é aguenta um escrutínio daquela natureza. Não discuto a posição de “senhor na cruz” que o Governador assumiu para não incendiar a posição do Governo nesta matéria.
Mas o que não compreendo é que a projeção da audição do Governador na imprensa esteja muito aquém do que é exigido a um jornalismo competente na transmissão de um assunto desta importância com a tecnicidade que ele apresenta. O que eu ouvi na audição não corresponde às reportagens que consegui ler e li bastantes relatos. Não me passa pela cabeça que quem estava destinado a cobrir a audição não tivesse a mínima literacia financeira e se a não a tivesse que não se tivesse preparado como um profissional. Desfocagem total e daí o desabafo de Bradford DeLong: Oh, Oh why can’t we have a better press corps?

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