domingo, 15 de março de 2015

GIL AINDA, MAS COM COSTA NA BERLINDA

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

É altamente provável que António Costa venha a ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. Não obstante esse dado quase de facto, subsiste a questão que para alguns ainda é a mais relevante: para mudar verdadeiramente o quê? Na entrevista de José Gil a que aludi ontem há um claro aviso nesse sentido ao secretário-geral do PS – está no primeiro excerto que abaixo reproduzo, sendo que nunca por cá foi tão verdade como que agora que “o líder não é apenas o que propõe boas ideias” (e diga-se, aliás, que essas não são listagens mais ou menos exaustivas de medidas já mais ou menos repetidas...). Gil explica-se um pouco mais com recurso ao incidente das declarações de Costa no célebre encontro da Póvoa de Varzim com chineses: “O facto de existirem pessoas, à esquerda e à direita, que, no rescaldo, discutiram e se confrontaram com estatísticas. Nenhum pensou no tónus de vida, no que aconteceu aos portugueses nestes quatro anos. Foi tremendo do ponto de vista existencial, tremendo. Não estamos melhor, meu Deus. Não estamos melhores, como poderíamos estar? Mesmo para os que não gostaram das declarações de António Costa, para os que a sentiram como um murro no estômago, foi um murro no sentido errado. Atacaram-no com estatísticas de desemprego e tudo o resto. Perguntou-me de que precisamos? Precisamos de pensar um bocado nisto. Porque não começamos por aqui?”.


Depois, e ainda no mesmo comprimento de onda, há a condicionante que vem de tudo o resto. Que é certamente muito, um peso demasiado até. Do povo profundo que somos à tremenda violência dos golpes que lhe foram sendo infligidos. Gil, mais uma vez, refere-se-lhes exemplarmente, da “não ação dos portugueses” – “Precisamos de ação, que não está na prática e no estar dos portugueses. Não tem a ver com a identidade, mas com mentalidades que foram forjadas, sedimentadas durante muitas décadas, não fomos sempre assim. De um modo ou de outro, nos portugueses não existe a vocação imediata da ação. Pensamos, ponderamos, voltamos a pensar e não saímos da não ação.” – à “volatilidade do povo português” – “Somos voláteis e vivemos numa espécie de banalização constante, já não damos importância ao que é realmente importante, já não distinguimos bem o que é importante do que é acessório. Quais os mecanismos para que isso aconteça? Temos de analisar, mais uma vez as forças, desta vez forças negras que afastam tudo o que possa ser conflito. É uma força poderosa, talvez a mais poderosa de todas.”.

Concluo voltando à liderança para sublinhar quanto o Costa de que precisamos não é apenas aquele político experiente e hábil negociador de consensos que o próprio já demonstrou ser em vários e diferentes registos mas também, e sobretudo, aquele homem que, a partir da abertura e do rasgo provenientes do seu modo de ser e estar no mundo, é capaz de assumir riscos que o projetem no sentido de mobilizar o melhor dos seus concidadãos. Afinal, quão estranho seria virmos a assistir a uma espécie de fim desta história que acabasse por conceder uma pequena vitória moral aos Assis que desfiguram a área socialista – como aquele que ainda esta semana pregava no Público “a difícil moderação”, proclamando: “estou cada vez mais convencido de que a Europa e Portugal precisam de um entendimento sério entre o centro-esquerda e o centro-direita”! E recorro de novo a José Gil (excerto abaixo), agora quando se reporta ao fenómeno do Syriza e ao “rigorosamente nada” que ele por cá produziu, afirmando que aquilo de que se trata de primordial é de transportar “a esperança de que a verdade não pode ser adquirida”. Porque, enquanto as glórias são efémeras e os lugares tantos como os chapéus, há inscrições em pedra dura que não se apagam mais...

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