segunda-feira, 30 de março de 2015

O SIGNIFICADO DA QUEDA DE HOLLANDE



A dupla François Hollande-Manuel Valls e a sua derrota ampla e definitiva nas eleições departamentais francesas apesar do aparentemente barramento da Frente Nacional (aparente porque embora não tenha ganho qualquer departamento a massa eleitoral da FN não deixa de estar lá, expectante) tem sido apontada como a mais viva evidência de que a eleição do primeiro representa, à esquerda, um dos mais relevantes flops políticos dos últimos tempos.
Queria deixar aqui o testemunho de alguém que não deixou de ficar impressionado com as cerimónias da sua vitória eleitoral na Bastilha e que por isso também sai frustrado nas suas expectativas. Mas queria sobretudo contribuir para que o significado da sua derrota e rápida queda não fosse interpretado segundo o modelo de “erro de casting” que por vezes nos calha quando votamos em determinadas personalidades. Certamente que haverá na personalidade algo pequenina de Hollande traços que apontavam para a sua rápida obsolescência política, muito naquele jeito de licenciado das Grandes Écoles que parece aumentar de tamanho em cerimónias de pompa e circunstância política, gerindo o dramatismo das imagens, mas que se apouca diariamente na condução comezinha da governação e sobretudo na criação de uma dinâmica de aspirações na sociedade. Talvez a sua inconstância e instabilidade afetiva, já agora poderia ter tentado viver em simultâneo com Ségolène, Valérie e Julie, seja também um indicador da sua impreparação para aos desafios da França e Europa de hoje.
Onde quero chegar é que a queda vertiginosa de Hollande não pode deixar de ser compreendida à luz das dificuldades de renovação do pensamento e ação política da social-democracia e do socialismo democrático na Europa e no mundo de hoje, com agravamento dessas dificuldades numa França em que o pensamento socialista desceu ao grau zero da inventiva. Ignorar esse contexto e fazer reverter toda a explicação para a pequenez da personalidade pode custar caro a quem se iluda com esses traços explicativos e não discuta frontalmente o contexto mais vasto em que essa queda se inscreve.
O pensamento socialista em França confronta-se com uma realidade nacional que só artificialmente pode continuar a ser pensada ignorando os condicionantes impostos pela globalização, mesmo a uma economia de grandes dimensões, e sobretudo a uma economia tornada rígida em alto grau pelas realizações de um modelo social que não tem beneficiado dos níveis de produtividade que a sua preservação exigiria. Gente insuspeita e não fanática que conheço desde cedo me alertou para a inviabilidade organizacional de conquistas como a semana das 35 horas e estou só a invocar um exemplo para representar toda uma outra série de regulações e obrigações que transformaram a economia francesa num navio de grandes proporções, talvez de afundamento difícil, mas de muito difícil navegação nos tempos que correm. Estes fenómenos de rigidez são responsáveis pela evidência de que nem a sanha liberal dos tempos de Sarkozy esteve interessada em desmontar. O imposto de 70% sobre as grandes fortunas é também de uma grande ingenuidade nos tempos de globalização e de desarmonia fiscal que se vive na União Europeia. É possível ter uma fiscalidade progressiva e tributar o capital com outras modalidades que não determinem a fuga de capitais. A procura de imobiliário de luxo em Portugal induzida por franceses interessados em adquirir domicílio fiscal por estas bandas é bem a outra face da mesma moeda, para não falar já de outros paraísos que estarão a acolher deserções idênticas.
Finalmente, é necessário proceder a uma longa e aturada pesquisa para vislumbrarmos algum pensamento relevante que as hostes socialistas francesas tenham produzido nos últimos tempos. A vertigem com que Hollande passou do seu programa inicial para a governação de Manuel Valls é bem a evidência da vacuidade do pensamento socialista.
Em termos de companhias e referenciais internacionais, António Costa enfrenta um vazio perturbador. As esperanças parecem restringir-se à Ibéria. A ponte com os escandinavos parece demasiado longa. O PSOE arranca com uma vitória moralizadora e ao que tudo indica predominará até às eleições o enterrar dos machados de guerra entre as correntes socialistas para potenciar o arranque alcançado na Andaluzia. O PS não terá em Portugal essa dinâmica de aquecimento. Na Madeira, toda a gente festejou, desde o PSD ao PCP, Bloco de Esquerda e os Cidadãos do Juntos pelo Povo, menos o PS que desapareceu, ou melhor verdadeiramente nunca existiu. Costa terá ele próprio de criar essa dinâmica e fazer escola para a social-democracia europeia. Qualquer falsa partida poderá ser a morte do desafiador.

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