Algo de incómodo e perturbador tem forçosamente de estar a ocupar o subconsciente da egocêntrica sociedade alemã para que Tsipras e Varoufakis possam ir fazendo tantas primeiras páginas dos seus grandes jornais, como ontem voltou a ocorrer com o “Die Welt”. Confirmando essa mesma ideia, dizia-me há dias uma prima que por lá se apaixonou e ficou a viver há muitos anos (ao ponto de até já votar com os puros e locais) que estranhou ouvir uma entrevista com uma política portuguesa no primeiro canal nacional, sobretudo porque “era uma perspetiva muito diferente da que aqui é mostrada pela informação”...
Paralelamente, são por todo o lado exponenciados quaisquer fait-divers que vão podendo ser utilizados como pretexto crítico, das gravatas não postas contrastando com os lenços alegadamente caros a cobrirem os mesmos pescoços, da informalidade dos comportamentos à foto-entrevista concedida por Yanis e Danae à “Paris Match” (reaproximamos os tempos em que ser comunista era distribuir os próprios bens e rendimentos pelos pobrezinhos e viver na mais humilde das misérias?). E já ninguém esconde, nem sequer os principais visados, que a questão greco-alemã atingiu claramente a dimensão pessoal (the dislike gets personal, escrevia o “New York Times” de sexta-feira) e tem o seu ponto mais alto na forte antipatia mútua entre Schäuble e Varoufakis. Com este, quando confrontado com a sua perda de confiança junto do governo germânico, a declarar de pronto e sem hesitações: “I never had it”...
Mas há mais e seguramente pior. Trata-se do prosseguimento da (in)compreensível estratégia do SPD alemão, sempre disponível para mandar o seu secretário-geral e vice-primeiro-ministro de Merkel para a frente das câmaras e dos microfones em humilde vassalagem aos seus colegas conservadores e ao provocador Schäuble em especial. Reproduzo abaixo as suas últimas palavras ofendidas, que obviamente dispensam o trabalho de qualquer tradução precisa...
Ironias à parte, as coisas estão a ficar feias, portanto. Mas, estas sim, não deixam de estar nitidamente melhores do que já estiveram. Porque o que quer que venha a acontecer na e com a Grécia, estes cinquenta dias de Syriza (mesmo sem descontar os erros que possam ter sido cometidos) já valeram bem a pena. Seja ao fornecerem tristes sinais de que ainda subsistem na Alemanha entendimentos deficientes e traumas mal resolvidos sobre as responsabilidades do país e do seu povo na maior tragédia do século XX, seja ao deixarem claro que as lideranças social-democratas europeias ainda privilegiam o arcaísmo nacionalista em relação a qualquer envolvimento sério e difícil em soluções de tipo transnacional, seja ao tornarem definitivamente indissimulável a obstinada separação entre a nobreza da dignidade e a covardia do colaboracionismo...
(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)
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