segunda-feira, 9 de março de 2015

BLYTH, GABRIEL E AS INCONGRUÊNCIAS DA SOCIAL-DEMOCRACIA EUROPEIA



Mark Blyth é um dos mais virulentos adversários do beco sem saída a que as políticas de austeridade conduziram os países que voluntaria ou forçadamente as aplicaram. Além disso é um verdadeiro tribuno. Em outubro de 2014, quando o Dr. Artur Santos Silva e a Fundação Calouste Gulbenkian lhe concederam (também a Paul de Grauwe) palco de keynote speaker na Conferência sobre Políticas Públicas em que tive a honra de participar com a minha colega Elisa Babo sabiam antecipadamente a mensagem que ele iria deixar aos participantes.
Pois Mark Blyth foi protagonista de uma deliciosa situação, bem ilustrativa das contradições e sem rumo em que a social-democracia europeia, nomeadamente a alemã de Sigmar Gabriel, está mergulhada até aos seus mais recônditos valores.
A Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES), que é a fundação mais próxima do SPD alemão e que mantém (mantinha mais precisamente) relações próximas com o Partido Socialista português, acaba em fins de 2014 de premiar a obra de Blyth, Austerity: The History of a Dangerous Idea como a melhor obra de economia publicada em alemão no ano de 2014, em competição com a obra de Piketty,  O Capital no século XXI e com o jornalismo de Wolfgang Munchau.
O curto discurso de Blyth na Fundação Friedrich Erbert (ver aqui no blogue Jacobin), dirigido a cerca de 600 membros do SPD, é um prodígio de finura, sobretudo porque o discurso de agradecimento é focado na contradição que é uma Fundação do SPD premiar a obra e a prática de Sigmar Gabriel e seus pares representar o seu contrário.
No discurso de agradecimento, Blyth atira-se decididamente ao modo leviano e vazio como as teses da austeridade invocam permanentemente o conceito de reformas estruturais (essencialmente reformas económicas, profundamente ideológicas). Para além disso, Blyth critica a pretensa explicação da competitividade alemã elaborada a partir da austeridade, reclamada depois para aplicação mecânica no exterior. Blyth elege três outros fatores de que a vulgata alemã fala muito pouco: (i) o papel que a reunificação exerceu na criação de pressão salarial descendente na Alemanha; (ii) a relação preferencial da economia alemã com os mercados de proximidade de leste; (iii) a autocontenção dos sindicatos alemães receosos da globalização de proximidade. A estes fatores, juntaram-se mais tarde as chamadas leis de Hartz, sobretudo com os hoje célebres mini-jobs para jovens à procura do primeiro emprego.
E, na parte final, Blyth confronta os social-democratas presentes com a deriva ideológica destes partidos na cena europeia interessados sobretudo na criação de condições de proteção de credores, numa lógica de submissão estrita aos imperativos do mercado.
A autoridade moral de Blyth, premiado por uma Fundação que dissemina o pensamento social-democrata, historicamente determinante na mudança dos rumos da história, para combater no seu próprio ninho as derivas ideológicas dos social-democratas alemães é um dos mais finos exercícios de estilo crítico que tenho lido. Gostaria de ter sido mosca para na excitante Berlim só para ver a reação dos social-democratas presentes.

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