Mark Blyth é um dos mais virulentos adversários
do beco sem saída a que as políticas de austeridade conduziram os países que
voluntaria ou forçadamente as aplicaram. Além disso é um verdadeiro tribuno. Em
outubro de 2014, quando o Dr. Artur Santos Silva e a Fundação Calouste Gulbenkian
lhe concederam (também a Paul de Grauwe) palco de keynote speaker na Conferência sobre Políticas Públicas em que tive
a honra de participar com a minha colega Elisa Babo sabiam antecipadamente a
mensagem que ele iria deixar aos participantes.
Pois Mark Blyth foi protagonista de uma deliciosa
situação, bem ilustrativa das contradições e sem rumo em que a social-democracia
europeia, nomeadamente a alemã de Sigmar Gabriel, está mergulhada até aos seus
mais recônditos valores.
A Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES), que é
a fundação mais próxima do SPD alemão e que mantém (mantinha mais precisamente)
relações próximas com o Partido Socialista português, acaba em fins de 2014 de
premiar a obra de Blyth, Austerity: The
History of a Dangerous Idea como a melhor obra de economia
publicada em alemão no ano de 2014, em competição com a obra de Piketty, O Capital no século
XXI e com o jornalismo de Wolfgang Munchau.
O curto discurso de Blyth na Fundação Friedrich
Erbert (ver aqui no blogue Jacobin), dirigido a cerca de 600 membros do SPD, é
um prodígio de finura, sobretudo porque o discurso de agradecimento é focado na
contradição que é uma Fundação do SPD premiar a obra e a prática de Sigmar Gabriel
e seus pares representar o seu contrário.
No discurso de agradecimento, Blyth atira-se
decididamente ao modo leviano e vazio como as teses da austeridade invocam permanentemente
o conceito de reformas estruturais (essencialmente reformas económicas,
profundamente ideológicas). Para além disso, Blyth critica a pretensa explicação
da competitividade alemã elaborada a partir da austeridade, reclamada depois para
aplicação mecânica no exterior. Blyth elege três outros fatores de que a
vulgata alemã fala muito pouco: (i) o papel que a reunificação exerceu na criação
de pressão salarial descendente na Alemanha; (ii) a relação preferencial da
economia alemã com os mercados de proximidade de leste; (iii) a autocontenção dos
sindicatos alemães receosos da globalização de proximidade. A estes fatores,
juntaram-se mais tarde as chamadas leis de Hartz, sobretudo com os hoje célebres
mini-jobs para jovens à procura do primeiro emprego.
E, na parte final, Blyth confronta os
social-democratas presentes com a deriva ideológica destes partidos na cena
europeia interessados sobretudo na criação de condições de proteção de
credores, numa lógica de submissão estrita aos imperativos do mercado.
A autoridade moral de Blyth, premiado por uma
Fundação que dissemina o pensamento social-democrata, historicamente
determinante na mudança dos rumos da história, para combater no seu próprio
ninho as derivas ideológicas dos social-democratas alemães é um dos mais finos
exercícios de estilo crítico que tenho lido. Gostaria de ter sido mosca para na
excitante Berlim só para ver a reação dos social-democratas presentes.
Sem comentários:
Enviar um comentário