Por vezes dou comigo a pensar que se reincarnasse para a
ciência gostaria de me ter virado para a biologia ou para a biomedicina,
mantendo a costela social e de compreensão global do mundo que alguns vultos da
medicina, mesmo cá do burgo, tão bem sabem alimentar.
Isso explica que, mesmo com deficiências sérias de formação
de base, seja sensível a pesquisas que emergem desses cantos da ciência,
sobretudo do ponto de vista da interpelação que elas colocam aos que pensam as
ciências sociais. E isto não necessariamente porque na economia tem vindo a
emergir com força uma corrente de economia comportamental (behavioural economics) que tem muito a fertilizar cruzadamente com
as ciências neuronais, por exemplo).
A que propósito se justifica este introito?
Bem fresquinhas, trago para aqui duas recentes pesquisas
que vale a pena seguir no futuro.
A primeira tem que ver com uma pesquisa realizada por
investigadores das universidades de Berkeley e de São Francisco– Califórnia, referida no EurekAlert, que
mostra surpreendentemente que a adição de uma droga altera o balanceamento neurológico
e químico do córtex pré-frontal de cérebro, tendendo a aumentar o comportamento
pró-social dos indivíduos, por exemplo aumentando a sua intolerância para com a
desigualdade. Sabíamos que a dopamina era um químico cerebral que está
associado com as questões da retribuição e da motivação no já referido córtex pré-frontal.
Ora o que a experiência mostrou foi que a droga “tolcapone” prolonga os efeitos
da dopamina. Nos termos mais estritos da análise experimental, um grupo tomou
uma inofensiva pastilha de placebo e um outro de tolcapone. Este último grupo
evidenciou um comportamento mais igualitário, partilhando mais intensamente
dinheiro com estranhos. A experiência mostrou ainda que o segundo se mostrou
menos tolerante para com a desigualdade.
Temos matéria e que matéria.
Um dos patronos deste blogue mostrou em 1973 com o artigo
“The Changing Tolerance for Income Inequality in the
Course of Economic Development” (TheQuarterly Journal of Economics, volume 87, nº4, novembro) que
inter-sociedades e ao longo do tempo no interior das mesmas a tolerância para com
a desigualdade não é igual. Sabemos modernamente que a dinâmica de agitação de
rua dos indignados evidencia que a intolerância para com a desigualdade é
bastante variável entre as sociedades do sul. Sabemos ainda que o século XXI
vai colocar o tema da desigualdade no coração da política económica (creio que
Carvalho da Silva o referiu em recente ida a um dos canais de informação).
Ora, o que não sabíamos é que os comportamentos pró-sociais
e de intolerância para com a desigualdade começam nos mecanismos cerebrais. Dispenso-me
de acentuar o alcance de tudo isto, num misto de espanto e de preocupação.
Noutro plano, a jornalista Danielle Paquette no Wonkblog do Washington Post faz referência
a um conjunto de estudos realizados sobre o que poderíamos designar de trilho
genético de alguns padrões reprodutivos ao longo de milénios que evidenciam que
a sobrevivência dos melhor adaptados represente mais a sobrevivência dos mais
ricos, anotando por exemplo a redução da diversidade genética nas linhas de
reprodução masculinas. Ou seja, a prosperidade terá sido em certos casos um
fator genético mais decisivo do que a seleção natural.
Como é óbvio, a leitura cruzada (e neste caso acidental)
destas duas incursões da ciência traz-me um fim-de-semana de maior preocupação.
Os tempos vão difíceis.
Sem comentários:
Enviar um comentário