sábado, 21 de março de 2015

COISAS DO ARCO-DA-VELHA




Por vezes dou comigo a pensar que se reincarnasse para a ciência gostaria de me ter virado para a biologia ou para a biomedicina, mantendo a costela social e de compreensão global do mundo que alguns vultos da medicina, mesmo cá do burgo, tão bem sabem alimentar.
Isso explica que, mesmo com deficiências sérias de formação de base, seja sensível a pesquisas que emergem desses cantos da ciência, sobretudo do ponto de vista da interpelação que elas colocam aos que pensam as ciências sociais. E isto não necessariamente porque na economia tem vindo a emergir com força uma corrente de economia comportamental (behavioural economics) que tem muito a fertilizar cruzadamente com as ciências neuronais, por exemplo).
A que propósito se justifica este introito?
Bem fresquinhas, trago para aqui duas recentes pesquisas que vale a pena seguir no futuro.
A primeira tem que ver com uma pesquisa realizada por investigadores das universidades de Berkeley e de São Francisco– Califórnia, referida no EurekAlert, que mostra surpreendentemente que a adição de uma droga altera o balanceamento neurológico e químico do córtex pré-frontal de cérebro, tendendo a aumentar o comportamento pró-social dos indivíduos, por exemplo aumentando a sua intolerância para com a desigualdade. Sabíamos que a dopamina era um químico cerebral que está associado com as questões da retribuição e da motivação no já referido córtex pré-frontal. Ora o que a experiência mostrou foi que a droga “tolcapone” prolonga os efeitos da dopamina. Nos termos mais estritos da análise experimental, um grupo tomou uma inofensiva pastilha de placebo e um outro de tolcapone. Este último grupo evidenciou um comportamento mais igualitário, partilhando mais intensamente dinheiro com estranhos. A experiência mostrou ainda que o segundo se mostrou menos tolerante para com a desigualdade.
Temos matéria e que matéria.
Um dos patronos deste blogue mostrou em 1973 com o artigo “The Changing Tolerance for Income Inequality in the Course of Economic Development” (TheQuarterly Journal of Economics, volume 87, nº4, novembro) que inter-sociedades e ao longo do tempo no interior das mesmas a tolerância para com a desigualdade não é igual. Sabemos modernamente que a dinâmica de agitação de rua dos indignados evidencia que a intolerância para com a desigualdade é bastante variável entre as sociedades do sul. Sabemos ainda que o século XXI vai colocar o tema da desigualdade no coração da política económica (creio que Carvalho da Silva o referiu em recente ida a um dos canais de informação).
Ora, o que não sabíamos é que os comportamentos pró-sociais e de intolerância para com a desigualdade começam nos mecanismos cerebrais. Dispenso-me de acentuar o alcance de tudo isto, num misto de espanto e de preocupação.


Noutro plano, a jornalista Danielle Paquette no Wonkblog do Washington Post faz referência a um conjunto de estudos realizados sobre o que poderíamos designar de trilho genético de alguns padrões reprodutivos ao longo de milénios que evidenciam que a sobrevivência dos melhor adaptados represente mais a sobrevivência dos mais ricos, anotando por exemplo a redução da diversidade genética nas linhas de reprodução masculinas. Ou seja, a prosperidade terá sido em certos casos um fator genético mais decisivo do que a seleção natural.

Como é óbvio, a leitura cruzada (e neste caso acidental) destas duas incursões da ciência traz-me um fim-de-semana de maior preocupação. Os tempos vão difíceis.

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