(General government financial balances, % GDP: source OECD Economic Outlook)
Pela informação a que se vai tendo acesso, a atual
maioria governativa em Portugal tem por principal modelo inspirador das suas
conceções de resolução do problema da dívida pública e do modelo de negociação
europeia que ela implica as posições do governo conservador britânico, mais
propriamente da dupla Cameron-Osborne que constitui o coração doutrinário do
governo conservador. Percebe-se a inspiração. Da parte de Portas e dos seus
correligionários, o conservadorismo britânico teria que constituir obviamente o
seu referencial. O CDS-PP aspira a um conservadorismo de Estado que já há muito
desapareceu dos conservadores ingleses, com essas figuras perdidas no passado.
Já quanto ao PSD, a questão é mesmo mais de identificação ideológica do
doutrinário económico, sobretudo atendendo à devastadora quebra de intensidade
da intervenção pública, numa sociedade inglesa cada vez mais entregue à sua
sorte.
Ora essa inspiração tem sido estendida ao modo de estar
nas instâncias europeias. Ainda recentemente o primeiro-ministro Cameron
saiu-se com a atoarda de que, quando chegou ao governo, o Reino Unido e a
Grécia apresentavam défices públicos similares (o que não é totalmente
rigoroso, ver o gráfico que constitui a imagem deste post) e que o seu governo lançou
medidas difíceis a longo prazo e que com o esforço dos britânicos terão chegado
a bom porto. Escusado será dizer que Cameron não teve coragem de dizer que os
gregos não o fizeram. A sugestão sibilina das suas palavras é bem ilustrativa
do seu cinismo arrogantemente conservador.
Mas há gente que não gosta que a tomem por parvos. Simon
Wren-Lewis está entre esse grupo e no Mainly Macro denuncia implacavelmente esta falta de seriedade
do primeiro-ministro britânico, tão arrogante numas coisas e tão rasteirinho
noutras, comprometendo a linhagem e os vultos do passado que tanto seduzem
Portas e seguidores:
“A caricatura real está na ideia
implícita de que a Grécia falhou na tomada de “decisões difíceis” que o Reino
Unido terá prosseguido. “Decisões difíceis” são uma espécie de código para
austeridade. Uma boa medida da austeridade subjacente é o saldo primário
implícito (o saldo primário que teria sido concretizado se o desvio entre o
produto real e o potencial fosse nulo). De acordo com números da OCDE, esse saldo
era no Reino Unido em 2009 de -7% do PIB e caíu para -3,5% em 2014: a contração
fiscal equivaleu a 3,5% do PIB. Na Grécia, esse saldo era de -12,1 em 2009 e
passou a um excedente de 7,6% em 2014: a contração fiscal equivaleu a 19,7% do
PIB! O que significa que a Grécia experimentou uma muito maior austeridade, o
que explica que o PIB tenha caído cerca de 25% nesse período. Uma visão mais
rigorosa mostraria que o Reino Unido começou a tomar as mesmas “decisões
difíceis” que a Grécia tomou, embora de um modo muito mais suave, percebeu a
loucura da solução e parou. A Grécia não teve essa chance. E já não estou a
considerar a relevância de estar dentro ou fora de uma união monetária.”
Passos Coelho bebeu seguramente este argumento e não lhe
passa pela cabeça perceber a dose a que os Gregos foram sujeitos. A literacia
económica não é o seu forte e não foi certamente por ela que andou pela
Tecnoforma e quejandas ou que o seu amigo Ângelo terá nele descoberto
potencialidades.
Estes números sobrepõem-se implacavelmente a tudo o que
possa ser dito acerca das condições concretas de mordomia a que a classe
política grega estará habituada. Há por aí muita informação desencontrada sobre
essas mordomias e até o pequenino Marques na sua crónica de sábado, com aquele
ar de chico esperto que só ele descobre coisas, se descaiu com a revelação de
que o SYRIZA não terá acabado com a mordomia dos deputados gregos poderem
dispor de viatura do Estado. Não sei se é verdade, se o é pode ser criticável,
depois de devidamente contextualizada. Mas não me acenem com essas mordomias
para tapar o sol com a peneira: a destruição de produto e a selvajaria do
ajustamento que foi imposto aos gregos constituíram uma solução demente para um
problema que subsiste, independentemente dos resultados da reunião de hoje em
Berlim. Isto é verdade, andem os deputados gregos de transporte público, de
lambreta, carros de luxo próprios ou em viaturas do Estado. Isto é verdade,
independentemente de Varoufakis e a sua mulher gastarem rendimento obtido nas
suas funções universitárias nos Estados Unidos num bom sargo na sua varanda com
um apelativo Chardonnay fresco ou se o fizerem comendo carapaus ou outra
trivialidade gastronómica qualquer numa tasca de Atenas. E a ideologia de
Passos e de Cameron não é menos criticável pelo primeiro viver em Massamá ou o
segundo na Londres mais sofisticada.
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