Como já aqui referi diversas vezes, o Understanding Society de Daniel Little é
um blogue de consulta obrigatória para quem quer mergulhar nas questões da
estrutura e da intervenção social para lá dos limites da economia e está
interessado numa visão mais integrada do social.
Há uns dias que não o revisitava e verifiquei que o último
post de Little foca-se num assunto
que me fascina, o da formação de profissionais altamente competentes e
qualificados. O exemplo comparativo dessa formação e dos seus diferentes
limites e condições de operacionalização é curioso porque são estabelecidas as
diferenças entre a formação de um profissional competente e de elevada
performance para um violinista e para um escritor.
O post de Little levou-me a uma das obras mais
fascinantes sobre esta matéria, Mind Over
Machine – The Power of Human Intuition and Expertise in the Era of Computer,
dos irmãos Dreyfus, Hubert e Stuart, da editora Free Press. O livro é de 1986,
mas recomendo a sua leitura a todos que queiram mergulhar nestas questões da
aprendizagem e formação de profissionais altamente competentes. Foram os irmãos
Dreyfus que me ensinaram a distinguir a escala de cinco fases para a formação
de um profissional: o principiante (novice), o iniciado avançado (advanced
beginner), o profissional competente (competence), a proficiência (proficiency)
e a expertise (expertise).
O que é relevante nesta escala de aprendizagem e nos estádios
de competência que eles vão proporcionando é o facto da aprendizagem ocorrer em
graus diferenciados de separação face ao contexto ou situação em que ocorrem as
atividades. Nesta escala, só o principiante ou noviço adquire uma aprendizagem
que é totalmente independente do contexto ou situação. O principiante adquire o
conhecimento de certas regras que são independentes do contexto em que irão ser
aplicadas, por outras palavras impõem-se ao contexto. Uma enfermeira principiante
aprende a ler por exemplo a pressão sanguínea dos doentes e aprende regras de
como atuar em função dos resultados que a medição determina. Mas não aprende
como agir em determinadas alterações de contexto.
A partir da fase de principiante, a aprendizagem vai ser
concretizada de forma progressiva recorrendo eventualmente ao conhecimento de
factos não necessariamente contextualizados e de regras sofisticadas, mas
combinando esse conhecimento com a aprendizagem recolhida da experiência prática
de abordar e resolver situações concretas. E a regra é, à medida que se avança
para a expertise, a dependência do conhecimento situacional ou baseado num
determinado contexto é cada vez mais forte.
A proficiência é o reino da intuição e do saber-fazer
como armas decisivas para compreender onde há similaridade de situações e como
podemos invocar espontaneamente a experiência de como vivemos e resolvemos essas
situações e as aplicamos em contextos similares. Os irmãos Dreyfus consideram
que mesmo na fase de proficiência, o uso do pensamento analítico não está
afastado, já que graças à experiência os elementos que são identificados como
relevantes na nova situação são avaliados e combinados em regra de modo a
produzir as melhores decisões.
É na expertise que se aplica a frase chave de Hubert e
Stuart Dreyfus: “a competência de um expert
transformou-se de tal modo numa parte dele próprio que ele não tem de preocupar-se
mais com ela do que se preocupa com o seu próprio corpo: “os experts não resolvem problemas e não
assumem decisões, fazem o que normalmente funciona.”
Podem perguntar-me mas que raio de ligação tem esta abordagem
com as minhas preocupações? Na próxima segunda-feira, por convite amável do
Professor Eduardo Marçal Grilo (Fundação Calouste Gulbenkian) estarei na
Reitoria da Universidade do Porto para uma reunião à porta fechada de suporte a
um projeto de investigação que o Professor Júlio Pedrosa (Universidade de
Aveiro e ex-Ministro da Educação) está a realizar para a Fundação sobre os
novos rumos e desafios do ensino superior.
Preparando com antecedência a minha intervenção, cheguei
a esta intrigante interrogação: o que tem a Universidade de hoje a oferecer a
escala de aprendizagem dos profissionais deste país dos noviços até aos experts? O que é que a Universidade tem
produzido em matéria de inovação de práticas letivas que possa considerar-se
aprendizagem em contextos de saber-fazer?
Voltarei a esta questão.
Sem comentários:
Enviar um comentário