terça-feira, 17 de março de 2015

A FORMAÇÃO DE COMPETÊNCIAS




Como já aqui referi diversas vezes, o Understanding Society de Daniel Little é um blogue de consulta obrigatória para quem quer mergulhar nas questões da estrutura e da intervenção social para lá dos limites da economia e está interessado numa visão mais integrada do social.
Há uns dias que não o revisitava e verifiquei que o último post de Little foca-se num assunto que me fascina, o da formação de profissionais altamente competentes e qualificados. O exemplo comparativo dessa formação e dos seus diferentes limites e condições de operacionalização é curioso porque são estabelecidas as diferenças entre a formação de um profissional competente e de elevada performance para um violinista e para um escritor.
O post de Little levou-me a uma das obras mais fascinantes sobre esta matéria, Mind Over Machine – The Power of Human Intuition and Expertise in the Era of Computer, dos irmãos Dreyfus, Hubert e Stuart, da editora Free Press. O livro é de 1986, mas recomendo a sua leitura a todos que queiram mergulhar nestas questões da aprendizagem e formação de profissionais altamente competentes. Foram os irmãos Dreyfus que me ensinaram a distinguir a escala de cinco fases para a formação de um profissional: o principiante (novice), o iniciado avançado (advanced beginner), o profissional competente (competence), a proficiência (proficiency) e a expertise (expertise). 

O que é relevante nesta escala de aprendizagem e nos estádios de competência que eles vão proporcionando é o facto da aprendizagem ocorrer em graus diferenciados de separação face ao contexto ou situação em que ocorrem as atividades. Nesta escala, só o principiante ou noviço adquire uma aprendizagem que é totalmente independente do contexto ou situação. O principiante adquire o conhecimento de certas regras que são independentes do contexto em que irão ser aplicadas, por outras palavras impõem-se ao contexto. Uma enfermeira principiante aprende a ler por exemplo a pressão sanguínea dos doentes e aprende regras de como atuar em função dos resultados que a medição determina. Mas não aprende como agir em determinadas alterações de contexto.
A partir da fase de principiante, a aprendizagem vai ser concretizada de forma progressiva recorrendo eventualmente ao conhecimento de factos não necessariamente contextualizados e de regras sofisticadas, mas combinando esse conhecimento com a aprendizagem recolhida da experiência prática de abordar e resolver situações concretas. E a regra é, à medida que se avança para a expertise, a dependência do conhecimento situacional ou baseado num determinado contexto é cada vez mais forte.
A proficiência é o reino da intuição e do saber-fazer como armas decisivas para compreender onde há similaridade de situações e como podemos invocar espontaneamente a experiência de como vivemos e resolvemos essas situações e as aplicamos em contextos similares. Os irmãos Dreyfus consideram que mesmo na fase de proficiência, o uso do pensamento analítico não está afastado, já que graças à experiência os elementos que são identificados como relevantes na nova situação são avaliados e combinados em regra de modo a produzir as melhores decisões.
É na expertise que se aplica a frase chave de Hubert e Stuart Dreyfus: “a competência de um expert transformou-se de tal modo numa parte dele próprio que ele não tem de preocupar-se mais com ela do que se preocupa com o seu próprio corpo: “os experts não resolvem problemas e não assumem decisões, fazem o que normalmente funciona.”
Podem perguntar-me mas que raio de ligação tem esta abordagem com as minhas preocupações? Na próxima segunda-feira, por convite amável do Professor Eduardo Marçal Grilo (Fundação Calouste Gulbenkian) estarei na Reitoria da Universidade do Porto para uma reunião à porta fechada de suporte a um projeto de investigação que o Professor Júlio Pedrosa (Universidade de Aveiro e ex-Ministro da Educação) está a realizar para a Fundação sobre os novos rumos e desafios do ensino superior.
Preparando com antecedência a minha intervenção, cheguei a esta intrigante interrogação: o que tem a Universidade de hoje a oferecer a escala de aprendizagem dos profissionais deste país dos noviços até aos experts? O que é que a Universidade tem produzido em matéria de inovação de práticas letivas que possa considerar-se aprendizagem em contextos de saber-fazer?
Voltarei a esta questão.

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