Apercebi-me fortuitamente do recente desaparecimento de Michel Albert (MA). Para os franceses que melhor o foram conhecendo ao longo da sua sólida carreira – houve quem se lhe referisse como tendo tido “várias vidas”, de enarca a inspetor de finanças, de alto funcionário público com múltipla atividade em França e na Europa a gestor de empresas com especial enfoque no setor segurador, de doutor em ciências económicas e docente universitário a pensador económico com larga atividade editorial e mediática –, MA foi sobretudo um cidadão exemplar e um profissional muito marcado pelas suas ligações a Raymond Barre e pela sua passagem pelo Commissariat Général du Plan. Para mim, mais distanciado do hexágono, MA ficará para sempre particularmente ligado a duas coisas bastante concretas que, embora inseridas naquele seu trajeto, me foram mais pessoalmente marcantes e até gratificantes.
Nos idos de 80, e como já aqui relatei a diversos títulos, a minha passagem académica por Paris proporcionou-me uma prolongada passagem pelo CEPII, um serviço público e centro de investigação no domínio da economia internacional criado em 1978 com o forte impulso de MA (então já no Plan, no seio do qual encontra o acolhimento administrativo para que a nova instituição pudesse contrabalançar o exclusivo do ministério das Finanças – via INSEE e Direction de la Prévision – em termos de informação e previsão económicas, contribuindo assim para conceder uma maior saliência à dimensão internacional dos fenómenos). E foi já quando por lá andei, naquele número 9 da George Pitard onde o CEPII se instalou depois de uma breve passagem pela Rue Saint-Denis, que o então ministro do PS Michel Rocard nomeou MA como presidente do Conselho do CEPII, precisamente em 1982. Nessa posição, que viria aliás a ocupar durante treze anos, MA acompanhou o início da elaboração dos “relatórios” periódicos sobre a economia mundial que se tornaram à época obras de referência, tendo até prefaciado o famoso segundo tomo (“Économie Mondiale 1980-1990 : La Fracture?”).
A outra coisa tem a ver com o livro largamente mais reconhecido dos muitos que MA escreveu. Utilizei-o com grande frequência, em aulas e pesquisas, com especial destaque para uns cursos de estudos europeus coordenados pelo saudoso Ernâni Lopes no quadro da Universidade Católica. Em “Capitalismo contra Capitalismo” (1991), MA fez uma comparação pioneira das diferentes variedades e configurações dos capitalismos reais em presença no pós-comunismo soviético e debruçou-se mais detalhadamente sobre os respetivos modelos “norte-americano” (incarnados pelos ultraliberais EUA de Reagan e Reino Unido de Thatcher) e “renano” (uma designação de que ficou por principal padrinho e que referenciou à então RFA – tendo mesmo chegado a recomendar o reforço dos elementos que encarava como virtuosos ao seu próprio país, numa lógica de associação franco-alemã de cuja prioridade nunca abdicou – e, em alguma medida, ao Japão, assim caraterizando um liberalismo económico assente num quadro jurídico estrito e visando garantir a solidariedade e o bem-estar social).
E assim vão correndo os anos e saindo de cena aqueles com que nos fomos cruzando ou em quem de algum modo nos inspiramos...
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