(Elaboração própria a partir de World Development Indicators, World Bank)
À boleia do penúltimo post
do meu colega de blogue, centrado na dinâmica irlandesa do pós-resgate, decidi
sistematizar alguns elementos de pesquisa e reflexão que me parecem úteis para
mostrar como a comparação entre a Irlanda e Portugal põe em evidência a
imbecilidade estrutural de concretizar processos de ajustamento como se as
economias sob resgate fossem homogéneas, a que o consulado de Durão Barroso
ficará para sempre ligado, apesar do branqueamento que o próprio e seus
apaniguados irão nos próximos tempos realizar, pelos vistos a peso de ouro.
Como muito boa gente se recorda, a experiência irlandesa,
designada ou não por tigre celta ou por outra qualquer sigla, sempre foi
apontada pelos gurus da nossa praça como um exemplo a seguir pelos portugueses.
Os ritmos de crescimento irlandês sempre impressionaram os nativos com maior
literacia económica, claro está sempre sem a preocupação de atender ao seu
contexto de matriz de influência anglo-saxónica que não é facilmente
replicável. Noutros períodos, os nativos expressaram os seus amores pela
experiência irlandesa tomando-a como um paradigma da aplicação não
infraestrutural (e com aposta no Fundo Social Europeu e na formação
profissional). Eu próprio, em 1997, quando em viagem profissional com a
Professora Teresa Lago (UP) e o Dr. Rui Feijó (então vereador da CM do Porto),
aterrei em Dublin para uma viagem de carro até à Irlanda do Norte e estudar in loco um planetário de referência para
o futuro Planetário da UP no Porto, fiquei surpreendido pela frugalidade de
infraestruturas viárias das duas irlandas. Mas, já nessa altura, as minhas
convicções conceptuais de que não há trajetórias deterministas para o
desenvolvimento estavam perfeitamente enraizadas e um dos patronos deste
blogue, Albert O. Hirschman, me tinha ensinado que a história bem-sucedida do
desenvolvimento está cheia de estratégias aparentemente heterodoxas e não
canónicas. Por isso, entendi nessa altura que os irlandeses tinham desenhado a
sua própria trajetória e lá sabiam porquê e que replicar opções dessa natureza
é coisa difícil e nem sempre recomendável.
A brutal crise financeira em que a Irlanda se viu
mergulhada foi uma consequência lógica e natural da sua forte articulação com a
economia americana e com o seu sistema financeiro. O entusiasmo dos nativos
esmoreceu um pouco, afinal o tigre celta parecia menos robusto e assemelhava-se
mais a um lince em extinção. Mas nem oito nem oitenta. Tudo isto é fruto da não
contextualização de uma experiência de desenvolvimento económico.
Aproveitando o potencial enorme que a base de dados on line do World
Development Indicators do Banco Mundial nos proporciona, gastei
algum tempo a coligir alguma informação relevante para mostrar que uma análise
comparativa expedita entre a Irlanda e Portugal revela o diferente contexto
estrutural em que os programas de ajustamento irlandês e português decorreram,
com efeitos prolongados na necessariamente diversa recuperação pós resgate que
as duas economias teriam de revelar, aliás como está a acontecer. Cai assim por
terra a desfaçatez da tecnocracia europeia em imaginar que o mesmo tipo de
medidas orientadas para a desvalorização interna e empobrecimento das duas
economias (talvez até mais evidente na economia irlandesa) produziria os mesmos
efeitos em matéria de projeção positiva das exportações. O mainstream económico que suporta esta despudorada tecnocracia
ignora totalmente a matéria do tempo e a espessura temporal das transformações
desejadas.
O gráfico que abre em termos de imagem este post é suficientemente esclarecedor e
fala por si. Estamos perante duas economias com um fortemente desigual
coeficiente de extroversão. A Irlanda em doze anos (2000-2012) raras vezes
desceu abaixo dos 80% de peso das exportações de bens e serviços no PIB,
contrastando com o esforço português para atingir os 40%. A Irlanda em 2012
exportava mais em valor do que o seu próprio PIB, ultrapassando o limiar dos
100%. Ou seja, a Irlanda era, no pré-crise, uma economia já perfeitamente
inserida na economia global, sem grandes necessidades de transformação do seu
perfil de especialização e com grandes empresas representativas das modernas
cadeias de valor à escala mundial implantadas no seu território. Portugal era
no pré-crise uma economia com um modelo de crescimento exaurido e resultados
anémicos, a necessitar de uma profunda transformação do seu perfil de
especialização. Como é que é possível conceber programas de ajustamento sem
reconhecer essa diversidade? Como diria
Bradford DeLong, Oh, Oh why can’t we have better economists?
(Elaboração própria a partir de World Development Indicators, World Bank)
O gráfico acima completa o quadro. Compara-se por essa
via o grau de abertura das duas economias ao investimento direto estrangeiro,
calculando o peso dos afluxos líquidos de IDE em percentagem do PIB. Por aqui
se percebe que os dois gráficos estão indissoluvelmente ligados. A integração
da Irlanda na economia global faz-se entre outros aspetos através do IDE
fortemente implantado no país. Para além disso, essa integração não exige uma
forte infraestrutura viária, mas apenas uma boa infraestrutura aeroportuária,
pois as exportações de que falamos (Cisco, Microsoft e outras) ou se
concretizam no espaço etéreo digital ou por transporte aéreo. Para que
precisariam os irlandeses de uma rede potente de autoestradas? Em vez destas,
tiveram a permissão europeia de uma fiscalidade agressiva. Como Hirschman tinha
razão!
Dirão alguns nativos, ainda recordados da metáfora dos
Fundos Estruturais, que pesa sobre tudo isto a questão
das qualificações. É verdade mas teremos de trabalhar uma outra metáfora, a dos
stocks e fluxos.
(Elaboração própria World Development Indicators)
O gráfico imediatamente acima mostra a inércia estrutural
portuguesa. A percentagem de indivíduos entre os 15 e os 64 anos que têm
formação superior é esmagadoramente mais baixa em Portugal. O peso dos stocks e
da inércia.
Mas o gráfico abaixo, de outra fonte, agora do Banco
Mundial ao passo que o anterior é Eurostat, mostra que em termos de fluxos mais
recentes a taxa de escolarização superior bruta dos dois países é já muito
similar.
Finalmente, comparando as taxas de emprego da população
com baixas qualificações (ISCED 0-2) nas duas economias, observa-se sem
surpresa a maior taxa de emprego da economia portuguesa, embora em queda.
Por tudo isto, só um desabafo: “Oh,
Oh why can’t we have better adjustment programmes?”
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