quinta-feira, 12 de março de 2015

À MARGEM DA COMISSÃO DE INQUÉRITO


Ontem foi a vez de Faria de Oliveira na Comissão de Inquérito. E aquele que é cada vez mais claramente o verdadeiro “rolha” do nosso regime alegadamente democrático – passem-se os olhos sobre o número e tipo de cargos que ocupou, sobre aqueles a quem serviu ao longo destas décadas e sobre o cinzentismo e a mediocridade da maioria das suas prestações político-gestionárias – lá veio deixar a farpazinha que se lhe pedia, cheia daquela aparente humildade que é própria dos bem mandados, explicitando que teria preferido um aumento de capital com recurso à linha de recapitalização em relação à aplicação de uma medida de resolução sobre o Banco Espírito Santo – não obstante ser conhecedor de que aquela hipótese era impraticável por razões que as autoridades nacionais já lhe tinham feito saber.

Mas deixemos os “não assuntos” para nos centrarmos no que é essencial. Dizia ontem aqui o António Figueiredo estar convencido de que “a prevaricação dolosa de Salgado e seus comparsas se sobrepôs a qualquer iniciativa punitiva do regulador” mas também de que “muito dificilmente se dissipará a ideia do erro de julgamento ou de timing demasiado dilatado desse mesmo julgamento”. Subscrevo integralmente a primeira e admito a forte probabilidade da segunda, mas quanto mais leio e ouço as bravatas pseudocorajosas de tantos comentaristas e políticos que não desistem de atacar a atuação de Carlos Costa e do Banco de Portugal (BdP) no caso BES/GES, menos adiro à justeza da hipótese de estarmos perante um dossiê com falhas fundamentais (em substância ou em tempo) atribuíveis à regulação – entre ligeirezas e incompetências múltiplas, para não referenciar os casos pessoais ou de má fé, a questão é novamente a dos inteligentes que tanto acertam no totobola à segunda-feira e tão bem treinam a partir da bancada...

Dito isto, que não é o mesmo que afirmar que não possam ter existido ingenuidades, lapsos ou até erros objetivamente imputáveis ao BdP, subsiste um ponto que nem sempre tem sido devidamente focado e relativamente ao qual julgo existirem ainda dúvidas fundadas quanto ao racional de um posicionamento concreto da Instituição e do governador. Ele está hoje à vista nos protestos dos clientes do BES em defesa do reembolso do papel comercial do GES que detinham ou foram conduzidos a deter e ganhou um especial caráter polémico por via das trocas públicas de galhardetes que têm vindo a ocorrer entre as entidades de supervisão (BdP e CMVM).

Entre vários outros factos eventualmente passíveis de serem chamados à colação na matéria, destaco os que se associam aos cinco tópicos que seguidamente afloro: (i) em fevereiro de 2014, o BdP terá proibido o BES de comercializar, junto de clientes dos seus balcões classificados como investidores não qualificados, títulos de dívida de curto prazo em forma de papel comercial de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo (ESI e Rioforte) e obrigado aquela entidade bancária a constituir uma provisão para ressarcir esses clientes; (ii) em julho de 2014, a nova equipa de gestão do BES (liderada por Vítor Bento) terá assumido o compromisso do pagamento do papel comercial emitido por sociedades do GES e colocado aos respetivos balcões, tendo igualmente anunciado que para tal fora constituída uma provisão superior a 800 milhões de euros; (iii) em agosto de 2014, aquando da medida de resolução do BES e correspondente criação do Novo Banco, o BdP terá esclarecido que “a provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do BES do papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco” e que a responsabilidade pelo pagamento do papel comercial seria da entidade titular dos ativos saudáveis do BES, o Novo Banco; (iv) viria entretanto a constatar-se que o balanço de abertura do Novo Banco não inclui qualquer provisão, pelo que esta terá acabado por ficar alocada ao “banco mau” – na comissão parlamentar de inquérito, Stock da Cunha afirmou nesse sentido que “a medida de resolução do BES é muito clara” e citou-a onde refere que “permaneceram no BES quaisquer obrigações, garantias ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o grupo Espírito Santo”; (v) por fim, e em 19 fevereiro de 2015, o BdP envia uma carta à CMVM que termina nestes precisos termos: “não estando em causa um produto bancário, mas sim a aplicação de fundos de clientes num certo tipo de instrumentos financeiros, e cabendo nas atribuições da CMVM a supervisão da atuação das instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, no respeitante a prestação de serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, consideramos dever continuar a encaminhar para V. Exas., como aliás tem sido pratica até ao momento, futuras reclamações que venham a ser apresentadas por detentores de papel comercial emitido por entidades não financeiras do GES”.

Aqui chegado, e sem entrar em despropositadas especulações (fáceis ou nem tanto quanto isso), sou levado a admitir que – mais ou menos escaramuça pessoal e/ou funcional entre os dois Carlos e as duas entidades de supervisão que comandam – não deixa de haver por aqui um problema real e que carece da atenção comunicacional do BdP e de Carlos Costa. Sob pena de aquilo que foi um mandato muito difícil, mas predominantemente conseguido, poder redundar manchado por motivos estranhos à essencialidade técnica, profissional e ética das matérias em apreço...

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