terça-feira, 10 de março de 2015

O REGULADOR SOB ATAQUE CERRADO



Sinceramente, nos últimos tempos a minha leitura do Le Monde tem sido irregular, quase aleatória e fruto do acaso de uma passagem por um escaparate que me permita furtivamente o contacto com um título apelativo. O jornal perdeu o cunho editorial do debate das ideias de outros tempos e isso também contribuiu para a irregularidade da relação. Nessas condições, o nome de Marc Roche, correspondente do jornal em Londres desde há 20 anos não constava do meu cardápio de situações de follow-up. Desde há muito que o Financial Times me parece mais credível e para notícias provenientes de Londres é preferível o original. Do mesmo modo e pelas mesmas razões, não me tinha passado pelo scan diário a obra que o referido jornalista publicou recentemente, Banksters, título que anuncia uma virulenta análise do descalabro do sistema financeiro, no que poderíamos chamar de gangsterismo financeiro.
Pois, hoje, em horário que usualmente não corresponde à audição da TSF, já com a tarde avançada, fui surpreendido pela entrevista de Vítor Oliveira da TSF ao jornalista belga do Le Monde, na qual ele assinalava o maior impacto relativo que as falcatruas do BES /GES terão provocado na economia portuguesa relativamente a outros casos similares gerados em torno de 2007-2008, dada a dimensão do BES e do GES e a pequena dimensão da economia portuguesa. Mas a minha surpresa resultou sobretudo do ataque cerrado ao regulador Carlos Costa – Banco de Portugal, em tom e intensidade que nunca tivera expressão similar, mesmo nos casos em que as diatribes do PSD (depois abandonadas sabe-se lá por ordem de quem) e a animosidade do PS e Bloco de Esquerda se atiraram ao regulador, por razões diversas. Roche não se fica pelas meias tintas e atribui ao regulador o epíteto de imoral e arrogante e, mais do que isso, sugere (sem o demonstrar) que o erro de julgamento do regulador está associado ao facto de não terem sido realizadas as perguntas certas aos prevaricadores por razões de proximidade aos amigos que gerem os bancos, de proximidade familiar ou de frequência da mesma escola dos seus filhos. Carlos Costa não terá tido um chá das cinco calmo e descontraído, já que esta entrevista é das que mói sem acusação fundamentada.
Não faço ideia das fontes de informação a que Marc Roche acedeu e também se o seu argumento de proximidade é dirigido concretamente ao regulador concreto ou se resulta da análise em abstrato que decorre do seu livro, inspirado noutros acontecimentos e falhas de supervisão/regulação. A entrevista é pois dissonante numa semana em que a revelação das falcatruas e arbitrariedades identificadas pela auditoria forense da Delloitte parece dar razão ao regulador de que a prevaricação dolosa de Salgado e seus comparsas se sobrepôs a qualquer iniciativa punitiva do regulador. Mas por mais informação que o Banco de Portugal tenha publicado sobre a matéria, muito dificilmente se dissipará a ideia do erro de julgamento ou de timing demasiado dilatado desse mesmo julgamento, neste caso, estou convicto, não por razões de proximidade de qualquer tipo, mas simplesmente porque o regulador nunca terá imaginado ter pela frente verdadeiros Banksters, frequentadores de capela, ainda por cima acossados pela ameaça de derrocada. Convicto de que essa foi a dificuldade do regulador, não serei eu obviamente a atirar a primeira pedra e espero sinceramente que a dinâmica da inquirição parlamentar e judicial confirmem essa minha convicção. Por isso, a entrevista de Marc Roche ou é um evento isolado sem significado que não seja o do propósito de estender a análise dos Banksters a Portugal, ou então corre por outras pistas que tenho dificuldade em identificar.

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