Sinceramente, nos últimos tempos a minha leitura
do Le Monde tem sido irregular, quase aleatória
e fruto do acaso de uma passagem por um escaparate que me permita furtivamente
o contacto com um título apelativo. O jornal perdeu o cunho editorial do debate
das ideias de outros tempos e isso também contribuiu para a irregularidade da
relação. Nessas condições, o nome de Marc Roche, correspondente do jornal em Londres
desde há 20 anos não constava do meu cardápio de situações de follow-up. Desde
há muito que o Financial Times me parece mais credível e para notícias
provenientes de Londres é preferível o original. Do mesmo modo e pelas mesmas
razões, não me tinha passado pelo scan
diário a obra que o referido jornalista publicou recentemente, Banksters, título que anuncia uma
virulenta análise do descalabro do sistema financeiro, no que poderíamos chamar
de gangsterismo financeiro.
Pois, hoje, em horário que usualmente não
corresponde à audição da TSF, já com a tarde avançada, fui surpreendido pela entrevista de Vítor Oliveira da TSF ao jornalista belga do Le Monde, na qual
ele assinalava o maior impacto relativo que as falcatruas do BES /GES terão
provocado na economia portuguesa relativamente a outros casos similares gerados
em torno de 2007-2008, dada a dimensão do BES e do GES e a pequena dimensão da
economia portuguesa. Mas a minha surpresa resultou sobretudo do ataque cerrado
ao regulador Carlos Costa – Banco de Portugal, em tom e intensidade que nunca
tivera expressão similar, mesmo nos casos em que as diatribes do PSD (depois
abandonadas sabe-se lá por ordem de quem) e a animosidade do PS e Bloco de
Esquerda se atiraram ao regulador, por razões diversas. Roche não se fica pelas
meias tintas e atribui ao regulador o epíteto de imoral e arrogante e, mais do
que isso, sugere (sem o demonstrar) que o erro de julgamento do regulador está
associado ao facto de não terem sido realizadas as perguntas certas aos
prevaricadores por razões de proximidade aos amigos que gerem os bancos, de
proximidade familiar ou de frequência da mesma escola dos seus filhos. Carlos
Costa não terá tido um chá das cinco calmo e descontraído, já que esta entrevista
é das que mói sem acusação fundamentada.
Não faço ideia das fontes de informação a que
Marc Roche acedeu e também se o seu argumento de proximidade é dirigido
concretamente ao regulador concreto ou se resulta da análise em abstrato que
decorre do seu livro, inspirado noutros acontecimentos e falhas de supervisão/regulação.
A entrevista é pois dissonante numa semana em que a revelação das falcatruas e
arbitrariedades identificadas pela auditoria forense da Delloitte parece dar
razão ao regulador de que a prevaricação dolosa de Salgado e seus comparsas se
sobrepôs a qualquer iniciativa punitiva do regulador. Mas por mais informação que
o Banco de Portugal tenha publicado sobre a matéria, muito dificilmente se
dissipará a ideia do erro de julgamento ou de timing demasiado dilatado desse mesmo julgamento, neste caso, estou
convicto, não por razões de proximidade de qualquer tipo, mas simplesmente
porque o regulador nunca terá imaginado ter pela frente verdadeiros Banksters, frequentadores
de capela, ainda por cima acossados pela ameaça de derrocada. Convicto de que
essa foi a dificuldade do regulador, não serei eu obviamente a atirar a primeira
pedra e espero sinceramente que a dinâmica da inquirição parlamentar e judicial
confirmem essa minha convicção. Por isso, a entrevista de Marc Roche ou é um
evento isolado sem significado que não seja o do propósito de estender a análise
dos Banksters a Portugal, ou então corre por outras pistas que tenho
dificuldade em identificar.
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