Os economistas sabiam que uma economia de mercado não pode viver sem um
sistema bancário e um sistema financeiro. Desde os tempos de Schumpeter,
sabemos que o crédito assumido pelo sistema bancário pode ser encarado como uma
meta-inovação que a dinâmica de inovação do capitalismo necessita e que os
tempos modernos revolucionaram com a inovação do capital de risco e as suas diferentes
modalidades. Os anos 90 trouxeram à economia mundial a ideia da globalização
financeira e a corrente da desregulação e desregulamentação dos mercados
financeiros encarregou-se de acelerar a livre circulação dos capitais, ao mesmo
tempo que os mercados financeiros, à medida que se sofisticavam para além do
entendimento do cidadão medianamente letrado em economia, pareciam
distanciar-se das economias reais, num processo para os qual os franceses têm
uma palavra que é a que em meu entender melhor se aplica, découplage
da economia real e dos mercados financeiros.
Os anos 90, e particularmente o seu último terço, tudo fizeram para
arrefecer o entusiasmo dos fervorosos adeptos da inovação financeira. A ruína súbita
de economias asiáticas que até então eram apontadas como exemplos sagrados do
capitalismo emergente e florescente foi escalpelizada e chegou-se à conclusão
que os sistemas bancário e financeiro de tais economias deixavam muito a
desejar e que a desregulamentação em curso abriu porta a processos de
financiamento em que a avaliação de risco obedecia a um critério simples: “quem
ficar que feche a porta e acarrete com as consequências”. A evidência inequívoca
de que países como a Malásia que não foram em tretas e aplicaram medidas de controlo
e interrupção da livre circulação de capitais foram melhor sucedidos no controlo
das crises cambiais asiáticas deveria ter sido melhor compreendida. A partir daí
ficou aberta a ideia de que a relação entre sistemas financeiros e
desenvolvimento/crescimento era complexa do que até então tinha sido pensada. A
qualidade dos sistemas financeiros interessava e por aí abria-se um mundo de
contornos imprevisíveis, o que é na prática e no fundo um sistema financeiro de
boa qualidade e amigável do crescimento económico. A crise de 2007-2008 nos
EUA, coração da economia mundial, revelou pouco depois que afinal o rei ia mais
do que nu, pavoneava-se como tal, e as instituições financeiras do centro da
finança mundial eram tão frágeis como os emergentes asiáticos. A partir daí,
definitivamente, o que não significa que na prática a situação tenha
substancialmente mudado, a teoria económica começou a aprofundar o seu
conhecimento sobre as relações entre sistema financeiro e desenvolvimento económico.
O gráfico que abre este post assinala investigações recentes acolhidas pelo FMI, cuja capacidade de aprofundamento teórico tem sido substancialmente
enriquecida sob a direção de Olivier Blanchard como economista-chefe (ver aqui o estudo base).
Já aqui repetidas vezes referi que os economistas são louquinhos por curvas
em U ou em U invertido, tantas e tão variadas são as tentativas de formalização
de regularidades, as leis da economia, que acabam numa curva desse tipo. Ora, o
que os economistas do FMI vêm concluir é que, para além do sistema de crédito
ser hoje uma medida bastante imperfeita do sistema financeiro de economias
emergentes, há evidências de existir um limiar para além do qual o
desenvolvimento financeiro não é favorável ao crescimento económico, antes o
pode prejudicar. O desenvolvimento demasiado rápido e desregulado dos sistemas
financeiros é fator de instabilidade e de crises financeiras cujas consequências
para a economia real são bastante perniciosas. A tese dos autores é a de que um
desenvolvimento financeiro excessivo provoca a ilusão do aumento de capital mas
à custa de baixos níveis de eficiência, largamente penalizadores da
produtividade global dos fatores nas economias que acolhem tal sofisticação. E
concluem que melhor e não necessariamente mais regulação pode conduzir a mais
estabilidade e melhor retorno económico. E um novo mundo se abre: o que é uma
melhor regulação dos sistemas financeiros?
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