Já perceberam que tenho na minha formação alguns economistas de estimação,
alguns dos quais tenho a certeza que começaram a ser divulgados em Portugal no âmbito
dos meus humildes escritos e pela atividade letiva que desenvolvi em bons
tempos na FEP pelos domínios da economia do crescimento e
do desenvolvimento, da globalização, da macroeconomia e da inovação. Foi, por
exemplo, o caso do patrono deste blogue, Albert O. Hirschman, em esforço
conjunto meu e do Carlos Costa, então bem menos preocupado do que atualmente no
Banco de Portugal. No post de hoje, trago
ao debate outro economista de eleição, Paul Romer,
que nos trabalhos conjuntos com o Mário Rui Silva, Argentino Pessoa e Mário
Graça Moura no Crescimento Económico e na Economia da Inovação e do
Conhecimento divulgámos em termos bastante pioneiros o seu contributo seminal para
a teoria do crescimento endógeno, construído em torno da chamada economia das
ideias. Em termos um pouco técnicos , poderemos dizer que a introdução das
ideias no processo de produção revoluciona a economia de concorrência perfeita,
destruindo-a. As ideias em economia são um bem não rival
(isto é, podem ser utilizadas simultaneamente por um número infinito de
pessoas, vejam, por exemplo, o caso da tecnologia que possibilita a edição
deste blogue) e podem ser parcialmente exclusivos,
por exemplo se sobre a utilização de qualquer ideia pairar uma patente que
inibe a sua utilização indiferenciada enquanto a patente estiver juridicamente “viva”.
A presença das ideias nos processos produtivos conduz-nos a uma situação
incontornável de rendimentos crescentes, pois a mesma ideia é compatível com a
multiplicação por uma qualquer constante K da produção e de todos os restantes
fatores de produção. Daí que por exemplo uma Microsoft tenha de vender rios de
sistemas operativos (a ideia) para reduzir progressivamente o custo da investigação
por unidade de produto que a conceção do sistema operativo determinou.
Sou dos que defendo que Paul Romer já merecia o Nobel de Economia, não vos
posso garantir que alguma vez a academia sueca compreenda a importância dos
seus contributos, mas Romer não parece muito incomodado com isso. A leitura da
sua biografia resumida é estimulante e recomendo-a, pois Paul Romer é por
definição um intelectual intrépido e irrequieto, tendo mesmo abandonado em
certo período da sua vida a vida académica para, em coerência com as suas posições
sobre a importância dos países menos desenvolvidos utilizarem livremente as
tecnologias mais evoluídas já experimentadas noutros países, se ter dedicado a
uma atividade de difusão de tecnologias educativas para os países pobres e em
desenvolvimento, procurando revolucionar as condições de aprendizagem das
crianças mais desfavorecidas. Tenho uma admiração imensa por estes intelectuais
americanos que correm riscos e que não hesitam em levar à prática as suas
ideias e, por simetria, um ódio profundo pelos Pedros Cosme Vieira deste mundo
que se dedicam à alarvidade mais boçal abrigados nos orçamentos públicos. Já
agora um sistema universitário que permite a progressão na profissão de um
alarve não estará seguramente de boa saúde, pelo menos em termos de liderança
das escolas.
Ora, nos últimos tempos, Paul Romer tem-se dedicado à divulgação pelo mundo
de um projeto seu, as Charter Cities,
através do qual Romer sustenta a tese de que a criação de novas cidades de raiz
nos países menos desenvolvidos ou de ampliações representativas da massa urbana
existente abre nesses contextos a esses países oportunidades imensas de introdução
de novos modelos, normas e regras, suscetíveis de aumentar revolucionariamente
os padrões de eficiência e proporcionar aumentos consideráveis de qualidade de
vida a essas populações, promovendo o desenvolvimento económico.
Para o fazer, Paul Romer está hoje ancorado na prestigiada New York Stern University,
dirigindo o Urbanization Project do Marron Institute of Urban Management daquela
universidade.
Romer trabalha assim presentemente uma das mais intrigantes relações dos
processos de desenvolvimento económico, a relação entre a taxa de urbanização
(percentagem de população dos países que vive em centros urbanos) e o rendimento
per capita. A nuvem que abre como imagem
este post projeta entre 1955 e 2010,
de cinco em cinco anos, os sucessivos pares de valores de taxa de urbanização e
de rendimento per capita (à paridade
de poder de compra) que todos os países considerados foram apresentando nesse
período. A correlação é de facto impressionante, embora o seja menos se
projetarmos apenas os valores observados em 2010 (ver nuvem abaixo). Os valores
recolhidos podem ser obtidos num post
recente que o economista colocou na sua página atual, cuja visita recomendo
vivamente.
O projeto das Charter Cities de Romer
pressupõe que a urbanização tem durante um período limitado um potencial enorme
de promoção do desenvolvimento económico, sobretudo pela possibilidade que a urbanização
em massa dá de atuar sobre uma escala de públicos que as micro-intervenções
(dirigidas a um número reduzido de indivíduos nunca poderá alcançar). Dietz
Vollrath no The Growth Economics Blog,
que também recomendo vivamente, chama a atenção de uma outra limitação possível
que é a ocorrência bem possível de custos de congestionamento que um modelo de
intervenção desta natureza pode causar.
É seguramente uma limitação a ter em conta mas o que me impressiona no
argumento de Romer é ele associar as Charter Cities à possibilidade de introdução
de novos padrões de regras e normas que, de outro modo, seria praticamente
impossível implantar em sociedades menos desenvolvidas já estabelecidas. Pela
maneira como Romer cruza o tema das ideias e das instituições, temos aqui uma
trajetória intelectual exemplar. E o que é relevante é a sua capacidade de
risco de aplicar, experimentar, ensaiar e não em laboratório.
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