quarta-feira, 6 de maio de 2015

URBANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO



Já perceberam que tenho na minha formação alguns economistas de estimação, alguns dos quais tenho a certeza que começaram a ser divulgados em Portugal no âmbito dos meus humildes escritos e pela atividade letiva que desenvolvi em bons tempos na FEP pelos domínios da economia do crescimento e do desenvolvimento, da globalização, da macroeconomia e da inovação. Foi, por exemplo, o caso do patrono deste blogue, Albert O. Hirschman, em esforço conjunto meu e do Carlos Costa, então bem menos preocupado do que atualmente no Banco de Portugal. No post de hoje, trago ao debate outro economista de eleição, Paul Romer, que nos trabalhos conjuntos com o Mário Rui Silva, Argentino Pessoa e Mário Graça Moura no Crescimento Económico e na Economia da Inovação e do Conhecimento divulgámos em termos bastante pioneiros o seu contributo seminal para a teoria do crescimento endógeno, construído em torno da chamada economia das ideias. Em termos um pouco técnicos , poderemos dizer que a introdução das ideias no processo de produção revoluciona a economia de concorrência perfeita, destruindo-a. As ideias em economia são um bem não rival (isto é, podem ser utilizadas simultaneamente por um número infinito de pessoas, vejam, por exemplo, o caso da tecnologia que possibilita a edição deste blogue) e podem ser parcialmente exclusivos, por exemplo se sobre a utilização de qualquer ideia pairar uma patente que inibe a sua utilização indiferenciada enquanto a patente estiver juridicamente “viva”. A presença das ideias nos processos produtivos conduz-nos a uma situação incontornável de rendimentos crescentes, pois a mesma ideia é compatível com a multiplicação por uma qualquer constante K da produção e de todos os restantes fatores de produção. Daí que por exemplo uma Microsoft tenha de vender rios de sistemas operativos (a ideia) para reduzir progressivamente o custo da investigação por unidade de produto que a conceção do sistema operativo determinou.

Sou dos que defendo que Paul Romer já merecia o Nobel de Economia, não vos posso garantir que alguma vez a academia sueca compreenda a importância dos seus contributos, mas Romer não parece muito incomodado com isso. A leitura da sua biografia resumida é estimulante e recomendo-a, pois Paul Romer é por definição um intelectual intrépido e irrequieto, tendo mesmo abandonado em certo período da sua vida a vida académica para, em coerência com as suas posições sobre a importância dos países menos desenvolvidos utilizarem livremente as tecnologias mais evoluídas já experimentadas noutros países, se ter dedicado a uma atividade de difusão de tecnologias educativas para os países pobres e em desenvolvimento, procurando revolucionar as condições de aprendizagem das crianças mais desfavorecidas. Tenho uma admiração imensa por estes intelectuais americanos que correm riscos e que não hesitam em levar à prática as suas ideias e, por simetria, um ódio profundo pelos Pedros Cosme Vieira deste mundo que se dedicam à alarvidade mais boçal abrigados nos orçamentos públicos. Já agora um sistema universitário que permite a progressão na profissão de um alarve não estará seguramente de boa saúde, pelo menos em termos de liderança das escolas.

Ora, nos últimos tempos, Paul Romer tem-se dedicado à divulgação pelo mundo de um projeto seu, as Charter Cities, através do qual Romer sustenta a tese de que a criação de novas cidades de raiz nos países menos desenvolvidos ou de ampliações representativas da massa urbana existente abre nesses contextos a esses países oportunidades imensas de introdução de novos modelos, normas e regras, suscetíveis de aumentar revolucionariamente os padrões de eficiência e proporcionar aumentos consideráveis de qualidade de vida a essas populações, promovendo o desenvolvimento económico.

Para o fazer, Paul Romer está hoje ancorado na prestigiada New York Stern University, dirigindo o Urbanization Project do Marron Institute of Urban Management daquela universidade.

Romer trabalha assim presentemente uma das mais intrigantes relações dos processos de desenvolvimento económico, a relação entre a taxa de urbanização (percentagem de população dos países que vive em centros urbanos) e o rendimento per capita. A nuvem que abre como imagem este post projeta entre 1955 e 2010, de cinco em cinco anos, os sucessivos pares de valores de taxa de urbanização e de rendimento per capita (à paridade de poder de compra) que todos os países considerados foram apresentando nesse período. A correlação é de facto impressionante, embora o seja menos se projetarmos apenas os valores observados em 2010 (ver nuvem abaixo). Os valores recolhidos podem ser obtidos num post recente que o economista colocou na sua página atual, cuja visita recomendo vivamente.

A relação entre taxa de urbanização e nível de desenvolvimento económico pode ser econometricamente testada com mais rigor e outros desenvolvimentos, alguns dos quais Romer desenvolve no seu post atrás referido. Estamos perante uma relação intrigante que, aliás, considero exemplar para mostrar os limites da análise quantitativa não devidamente acompanhada de teoria e de modelos rigorosos de causalidade. A questão que nos devemos colocar é a de saber se é o desenvolvimento que potencia a urbanização ou se, pelo contrário, é esta que potencia o desenvolvimento económico. E, se aceitarmos esta última orientação, nada nos garante que o que determina efetivamente o desenvolvimento não sejam outros fatores potenciados pela urbanização, como por exemplo, o estatuto ativo da mulher, ou a concentração de ideias, ou ainda a interação de conhecimento entre as pessoas que se alojam em ambientes densos. A forte correlação entre urbanização e nível de rendimento per capita pode ser tão só uma relação de equilíbrio e a causalidade entre as duas variáveis necessitar de outros aprofundamentos.

O projeto das Charter Cities de Romer pressupõe que a urbanização tem durante um período limitado um potencial enorme de promoção do desenvolvimento económico, sobretudo pela possibilidade que a urbanização em massa dá de atuar sobre uma escala de públicos que as micro-intervenções (dirigidas a um número reduzido de indivíduos nunca poderá alcançar). Dietz Vollrath no The Growth Economics Blog, que também recomendo vivamente, chama a atenção de uma outra limitação possível que é a ocorrência bem possível de custos de congestionamento que um modelo de intervenção desta natureza pode causar.

É seguramente uma limitação a ter em conta mas o que me impressiona no argumento de Romer é ele associar as Charter Cities à possibilidade de introdução de novos padrões de regras e normas que, de outro modo, seria praticamente impossível implantar em sociedades menos desenvolvidas já estabelecidas. Pela maneira como Romer cruza o tema das ideias e das instituições, temos aqui uma trajetória intelectual exemplar. E o que é relevante é a sua capacidade de risco de aplicar, experimentar, ensaiar e não em laboratório.

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