sexta-feira, 22 de maio de 2015

ERA PARA SER ASSIM, ANTÓNIO COSTA?


António Costa (AC) sabe de política, faz política e vive a política. E é, em tudo isso, mais eficaz a dormir do que eu bem acordado. Não obstante, arrisco uma chamada de atenção a propósito do que tenho podido observar nestes últimos tempos quanto à forma como escolheu estruturar a sua caminhada até às eleições legislativas. Um ponto em que foi taticamente brilhante a sua decisão de tomar a iniciativa política, por via da inédita apresentação de um quadro macroeconómico consistente por parte de um grupo de 12 economistas convocados para o efeito, também daí decorrendo a ideia-força passada aos cidadãos de que a austeridade à la Troika (ou para além dela) seria inevitável ou não seria suscetível de alternativa (quando muito, existiria uma pouco estimulante syrização). Um ponto em que, ainda, tem toda a lógica a metodologia que elegeu, a saber, a definição inicial de uma contextualizante agenda para a década, a elaboração subsequente do dito quadro macroeconómico e a definição posterior de um programa de governo. Dito tudo isto, há contudo um ponto que poderá ter sido subvalorizado pelo cartesianismo otimista que parece definir AC: precisamente as pessoas, o seu estado de ânimo, o sofrimento a que foram sujeitas, o seu cansaço em relação à política e aos políticos, a sua profunda aspiração a uma vida normal e, por fim, aquela máxima de rua que afirma qualquer coisa como “se eles são todos iguais, que fiquem os que já lá estão”.

Exemplifico com a questão que largamente encheu este dia seguinte (ver abaixo algumas capas de jornais e manchetes de onlines) a um muito tenrinho e nada convincente João Tiago Silveira ter vindo trazer a público as grandes linhas, as vinte e uma causas, do futuro programa eleitoral do PS. Porque, como no que habitualmente se diz sobre a seriedade, não importa verdadeiramente aquilo que é mas aquilo que parece. E o que parece(u) foi que se lançou uma lebre em rápida corrida – falo de Mário Centeno, da sua inquestionável competência e da atratividade de algumas das suas ideias – e se pôs o País que ainda perde tempo com estas matérias (uma faixa de gente cada vez mais estreita, aliás) a correr atrás dela (simplificadamente, uns basicamente preocupados com os reflexos de todo aquele complicado economês sobre as condições concretas da sua vida futura, outros muito centrados nos efeitos das baixas defendidas para a TSU sobre a situação da Segurança Social, outros entretidos em discussões em torno dos graus detetáveis de esquerdismo e liberalismo ou em torno da opção entre um relançamento do crescimento pelo lado da procura versus da oferta).


Mas há mais. Por um lado, AC não podia ignorar que a coligação de direita seguiria um guião básico, quase primário, para enfrentar o impacto da sua afirmação: acusarem-no de ligação aos fantasmas de Sócrates e da bancarrota, reduzi-lo a um regresso do despesismo (socialista), erigi-lo em portador de riscos, incertezas e ameaças equivalentes aos de 2011 a que os portugueses não podem nunca mais ser sujeitos – e ainda hoje ouvimos aquele inenarrável e demagógico “aviso com amizade” de Portas a AC e ao PS, apontando o dedo aos perigos do experimentalismo. Por outro lado, AC não devia ignorar que quem anda pelas ruas deste país instantaneamente percebe que o tempo não está para promessas, mesmo que apresentadas sob a forma de pilares, ações-chave, princípios, cenários, causas ou o que se queira chamar-lhes – e ainda hoje uma sondagem divulgada pelo “Expresso” disso dava conta com a maior das clarezas.

Chego assim à angústia que presentemente me assalta: AC tem o mérito de ter concebido e ser hoje detentor de uma estratégia político-operacional que foi capaz de lhe garantir o comando da agenda público-mediática e política-partidária, de lhe permitir desviar-se das constantes pressões que sobre ele se faziam sentir em termos de temas centrais como os da política europeia concreta e da margem de manobra disponível nesse quadro, da grande aproximação de muitos dos seus próximos em relação à abordagem que vinha sendo seguida pelo governo grego, do caráter mais ou menos inevitável da reestruturação ou renegociação da dívida ou dos meandros e armadilhas de disputas em torno de números e mercearias correlacionadas. Mas, e a minha questão é sobretudo essa, AC poderá ter cedido à tentação de se deixar fascinar pela possibilidade de promover um choque económico tido por razoavelmente capaz de ser libertador de algumas dos nossos já bem longos bloqueamentos e contingências (agravados ou aligeirados pelas exigências do troikismo) e poderá assim estar a passar ao lado de um verdadeiro diagnóstico, bem mais complexo de configurar e de saída bem mais árdua e duvidosa, sobre a realidade económica e social portuguesa.


Este post já vai longo e terei de voltar a alguns dos assuntos nele abordados. Mas não quereria terminar esta breve reflexão sem ser um pouco mais explícito quanto ao que poderá estar preferencialmente em equação. Refiro-me à nossa presença numa união monetária desequilibrada, viciosa e desviante (e não estou necessariamente a defender uma saída do Euro). Refiro-me às significativas restrições que tal pertença nos vai colocando (relembro, p.e., que AC não foi especialmente entusiástico quanto à ratificação por Seguro do Tratado Orçamental). Refiro-me às limitações competitivas evidenciadas pela nossa economia e sentidas pelas nossas empresas em face da crescente dinâmica concorrencial à escala global (quem compra em consciência a lengalenga de Portas e Pires sobre o esforçado patriotismo dos nossos exportadores?). Refiro-me à velha questão dos fatores de crescimento (o consumo e o investimento podem ser igualmente virtuosos, económica e socialmente?). Refiro-me ao tributo que quotidianamente vamos pagando pelos níveis de endividamento que atingimos (a dívida externa e pública não são problemas maiores?). Refiro-me às condições de possibilidade de um Estado Social em Portugal (o facto de Medina Carreira ser vaidoso, rezingão e economicamente inculto não implica que não se atente nalguma da sua elementar aritmética). Refiro-me aos descaminhos do investimento público (agravados por continuarmos incorrigíveis na utilização dos fundos comunitários). Refiro-me ao papel que é suposto caber ao Estado (não foi Centeno quem afirmou que “é muito difícil fazer crescer um país com políticas públicas”?). E fico-me, então, por aqui, não sem reafirmar o meu desconforto perante o facto de podermos sempre contentar-nos com um certo empurrar com a barriga, reformando cá dentro conforme nos seja concedido pelo engenho e pelas autorizações superiores e custos associados e reformulando paulatinamente as nossas condições de agradecido acesso às migalhas distribuídas pelo sistema internacional...

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