(A
social-democracia e a competitividade)
Por mais atoardas
pré-eleitorais que se levantem por aí e “mixed
feelings” (José Pacheco Pereira) que se coloquem, é inequívoco que António
Costa retomou a dianteira política e colocou a maioria na defensiva,
obrigando-a a repisar continuamente a cantilena do estado de bancarrota e do
despesismo do governo de Sócrates. Podemos alguns de nós questionar a sucessão
Agenda para a Década – Programa Económico dos 12 e agora Programa Eleitoral,
sobretudo a sua pretensa linearidade evolutiva. Mas não há dúvida que as
propostas de Costa não deixaram indiferentes a parcela de população mais
letrada e envolvida civicamente e mexeram com a comunicação social. Outra
questão a trabalhar será a da representação identitária de toda uma outra
população que vota, que está mais atenta à promoções da Cristina Ferreira do
que aos textos dos programas eleitorais. Mas o desabafo de contentamento do
Expresso Diário desta semana quando dizia que, finalmente, se discutiam ideias
e não pessoas revela bem o impacto produzido. E, ao contrário de muitos, sou
dos que considero que até é positivo um Passos Coelho, misturando aturdimento e
pose, vir com a dele que o programa do PS tem vertentes liberais que ele
próprio não assinaria por baixo. Um programa para uma governação alternativa
não pode ser inócuo e alinhar no politicamente correto com a sua base intelectual
de apoio. Tem de mexer com as coisas, espantar ideias, obrigar a
reposicionamentos, só assim poderá ser dinâmico e transmitir ao discurso
eleitoral alguma tensão positiva de que as vitórias eleitorais e de rotura se
alimentam.
Há um ponto do programa
eleitoral, conjugado com a cenarização macroeconómica, que me interessa de
sobremaneira. Não vou aqui discutir (isso fica para próximo post que integrará os últimos dados da
OCDE sobre desigualdade e pobreza) a pretensa e errada ideia de que a
estratégia do PS é injetar dinheiro no rendimento disponível das pessoas. Não é
de injeção pura e simples que se trata. Trata-se, antes, de repor níveis
mínimos de coesão e equilíbrio social para se poder solicitar á sociedade
algumas mudanças. A pobreza extrema e a desacoplagem social combatem-se como?
Repondo limiares de rendimento disponível, ponto.
A matéria que me
interessa vem na linha de uma interrogação que António Lobo Xavier colocava no
último Quadratura da Círculo. Dizia ALX que o programa do PS ao colar a sua
ênfase nas PESSOAS abria mão de propor algo de consequente e de útil em matéria
de competitividade, tendo em conta a situação difícil da economia portuguesa na
globalização, com o espartilho do euro e no estádio ainda recuado de mudança
estrutural que apresenta o seu perfil de especialização. É uma boa questão e
ela só mostra a finura de análise, distinta da de José Pacheco Pereira, de ALX.
É uma boa questão pois vai de frente conduzida à questão de saber se um
programa social-democrata como o de António Costa, que coloca como base do
posicionamento limiares de coesão social e de escolhas públicas em matéria de
condições de vida dos cidadãos, pode aspirar a grandes voos em matéria de
competitividade, diga-se empresarial e não territorial. A minha tese é que não
pode aspirar a altos voos nessa matéria e que não vale a pena criar muitas
ilusões sobre essa questão, sob pena de defraudar futuramente expectativas. Mas
não pode por alguma insuficiência congénita de projeto. Não pode por razões
objetivas que importa minimizar mas que muito dificilmente podem ser
escamoteadas.
Senão vejamos. ALX não
tem total razão quando refere que o programa é praticamente omisso em matéria
de competitividade. O assunto não está omisso, mas tem de facto uma presença
limitada. O programa do PS aborda as questões da competitividade por duas vias:
a que poderíamos considerar serem intervenções sobre a produtividade global dos
fatores (melhorias globais de eficiência da economia), onde trata questões
relevantes como a da justiça, governar melhor, digitalizar a administração e
valorizar a regulação) que a literatura disponível mostra onde há ainda amplas
e relevantes margens para ganhos de eficiência como externalidade positiva para
todas as empresas; e um outro conjunto de intervenções de natureza mais
económica, onde regressa a ladainha da economia do mar (ladainha porque agora
não é de discurso que se trata mas de concretizar atividade económica
robustecendo o cluster), onde se fala da agricultura e da transição energética
e onde o programa é mais forte se foca a ciência e tecnologia (que para ser uma
política de competitividade ainda necessita de muita translação e geração de
valor) e o ponto forte da inovação e internacionalização das empresas.
A intervenção de um
programa como o do PS nesta segunda dimensão da competitividade está fortemente
limitada na sua inventiva pelo facto dos principais instrumentos estarem já
praticamente consolidados.
O problema é a existência
dos instrumentos de política que permitam intervir sobre estas matérias. E aqui
não podemos ignorar o facto de, se o PS puder assumir o poder em condições de
alguma estabilidade política, ele vai herdar um quadro de incentivos de política
que estão plasmados no Portugal 2020, sobretudo em termos do apoio às empresas.
Trata-se de matéria que tem vindo a ser consolidada há longo tempo desde o
PRIME, passando pelo COMPETE e agora no PO Competitividade e Internacionalização.
O quadro de instrumentos de política pública de ciência e tecnologia, inovação
e internacionalização das empresas, designadamente de PME e de empresas que não
estejam ainda sob a alçada das ajudas de Estado (que impedirá o seu acesso se
forem ultrapassado os limites de apoios já concedidos) corresponde a uma panóplia
sobre a qual será difícil fazer melhor. Ou seja, a relevante evolução experimentada
ao longo de sucessivos períodos de programação nos sistemas de incentivos às
empresas processou-se praticamente à revelia da alternância política. As
margens de manobra para melhorar esse quadro de incentivos com a mobilização de
Fundos Estruturais são muito limitadas e, neste caso, por boas razões. Resta o
problema do desencontro entre a massa de empresas que é apoiada através dos
Fundos Estruturais e a totalidade do universo empresarial sobre o qual importa
intervir para avançar nos temas da competitividade. A massa de empresas
apoiadas está estimada que não representa mais do que 15% do universo
empresarial, medindo essa percentagem pela via da Formação Bruta de Capital
Fixo envolvida. Mesmo que se possa admitir algum efeito de demonstração entre
os resultados positivos nas empresas apoiadas e as restantes, a ofensiva dos
Fundos Estruturais tem os seus limites. Estas limitações resultam do facto de
no quadro da União Europeia as veleidades de política industrial nacional são
cortadas rente. Resta o furo das políticas de inovação e internacionalização e,
mesmo ai, com fortes limitações em Lisboa e no Algarve, dado o seu estatuto não
ser de regiões menos desenvolvidas.
Restam, assim e em
resumo, os seguintes instrumentos para intervir na esfera da competitividade:
(i) olear e agilizar a aplicação dos Fundos Estruturais, mas sem marca política
diferenciadora; (ii) atuar na redução de custos de contexto e impulsionar
positivamente a produtividade global dos fatores (cabe aqui uma palavra de não
menosprezar esta vertente do programa do PS, acaso como acredito não seja mera
retórica; (iii) intervir sobre os custos do trabalho na perspetiva das empresas
ou na da fiscalidade, mas neste caso o programa do PS enfrentará escolhas difíceis
já que a vertente PESSOAS e CONDIÇÕES DE VIDA exige almofadas orçamentais que não
podem ser comprometidas com criatividades perigosas na Segurança Social; (iv)
continuar a batalha das qualificações, procurando que mais tarde ou mais cedo a
procura de qualificações por parte das empresas reajam ao incremento da oferta.
Quer isto significar, em
resumo dos resumos, que a intervenção possível do programa do PS em matéria de
competitividade está fortemente limitada não só pelas opções internas e
coerentes do programa que exigem almofada para as políticas sociais, mas também
pelo facto de que a parte relevante dos instrumentos está já consolidada no
Portugal 2020. E não esqueçamos o constrangimento do elevado endividamento
empresarial.
Por isso, eu penso e
defendo que a intervenção mais consistente de uma governação alternativa PS,
para além do tema da produtividade global dos fatores, estará na criação de
condições para a estabilidade da concertação social entre o mundo do trabalho e
o empresarial, esperando aqui que o movimento sindical dê também sinais de
alguma frescura de espírito, começando a preocupar-se não apenas com os que têm
emprego mas também com os mais qualificados que o não conseguem arranjar. Tudo
isto exige por parte de António Costa uma adequada gestão de expectativas
quanto às margens de intervenção de um novo e possível governo.
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