(Será legítimo
escrever-se sobre algo que não se leu?)
Não tenciono queimar pestanas e gastar o meu cada vez mais precioso tempo
(face aos custos de oportunidade de ler uma coisa e não outra) a ler a
biografia autorizada de Passos Coelho de autoria da jornalista Sofia Aureliano.
Face a esta impossibilidade assumida, interroguei-me se faria sentido escrever
sobre tal peça.
Escrevo porque o meu objeto não é a biografia propriamente dita, mas a
contundente peça que Rui Cardoso Martins (RCM) escreveu sobre a dita na Revista
2 do Público de ontem. O autor da peça cavalga uma tese que me parece
extremamente aliciante e que a ser consistente explicaria parte do desconchavo
de alguns pronunciamentos públicos de Passos Coelho, a aparente contradição
entre a inconsistência de alguns desses pronunciamentos e a agressividade consistente
das aparições no Parlamento, embora aqui largamente potenciadas por um
desajeitado líder da bancada parlamentar do PS que lhe tem aberto uma
passadeira rosa-encarnada às suas performances.
Segundo RCM, o mau gosto intencional da biografia (recorda-se o epíteto de
possidónia de José Pacheco Pereira) insere-se num propósito deliberado de
construção de uma imagem, do homem que diz sempre o que pensa, a partir de um
olhar de Massamá contra os poderosos da linha e de outras linhas, numa pretensa
proximidade e identificação ao homem comum, embora paradoxalmente penalize este
homem comum com a sua insensibilidade social. A sensibilidade social de Passos
Coelho seria de outra natureza, de partilha de símbolos, consumos e valores. E
nesta cruzada inserir-se-ia a surpreendente abertura da sua vida privada,
inclusivamente a da doença da sua mulher que outros jornalistas julgaram ter
sido pactada tacitamente com o primeiro-ministro.
A intuição de RCM parece-me poderosa. É consistente com o padrão de
aparecimentos, desconchavos e presenças mais consistentes de Passos Coelho. Convirá
monitorizar o que pensam os Portugueses disto, não sabendo nós que categoria
sociológica melhor descreve estes Portugueses.
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