domingo, 24 de maio de 2015

PARA ALÉM DO CRITICISMO DE ROMER




(Não circunscrever o debate à critica da “Mathiness”)

A relevância que atribui ao debate suscitado por Paul Romer em torno da crítica da “mathiness”, isto é, ao modo particular de utilização da matemática em economia que não permite o estabelecimento de relações claras e rigorosas com categorias observáveis, não deve ser confundida com qualquer pretensão de que tal debate esgota a conflitualidade da economia. A investida de Romer é importante porque se desenvolve no interior do mainstream económico e permite-nos antever as suas próprias fragilidades, pondo em evidência de que no seu próprio interior podem perfilar-se posições menos claras do ponto de vista do poder das relações que reproduzem o pensamento económico na academia. E não há dúvida de que a opção por modelizar a problemática da inovação e da economia das ideias em ambiente de concorrência perfeita ou de concorrência monopolista não é indiferente para a progressão da ciência económica. Romer tem a esse nível claramente razão.

Mas o problema não se esgota nessa dicotomia. Existe um problema mais geral que consiste em saber se o estudo da inovação e da economia das ideias como um domínio particular através do qual a criatividade cria valor económico pode circunscrever-se, ou mesmo se deve ser circunscrito ao mundo do equiíbrio. Com alguma inspiração nos contributos seminais de Schumpeter e em contributos esparsos da biologia, há um conjunto de economistas que se recusam a abordar os processos de crescimento e da inovação (indissociáveis na sua perspetiva) através de modelos de equilíbrio e otimização. E, ao contrário do que alguns representantes do mainstream querem fazer crer, a diferença entre os que pensam a economia pelas lentes do equilíbrio e da otimização e os que a pensam em termos evolucionistas não é uma diferença entre teoria e descrição. É antes como Nelson e Winter o explicaram também seminalmente uma diferença entre dois tipos de teorias, uma teoria mais formalizada com utilização do rigor analítico e simbólico da matemática e uma teoria mais apreciativa, onde se rejeita a única de otimização para um único equilíbrio. Ora, por mais que Romer se esforce, os contributos de Nelson e Winter não são do foro da política. A leitura dos contributos entusiastas e assertivos de Romer levou-me de novo à leitura de um dos textos fundamentais na minha formação dos últimos 20 anos: Richard Nelson (1995), “Recent Evolutionary Theorizing About Economic Change”, Journal of Economic Literature, volume XXXIII, março. Citando:

O conceito geral de teoria evolucionista que proponho e utilizo neste ensaio, envolve os seguintes elementos. A atenção é focada numa variável ou conjunto delas que muda ao alongo do tempo e a questão teórica é compreender o processo dinâmico que subjaz a tal mudança; um caso especial consistiria em questionar o entendimento do estado atual da variável ou do sistema em função de como atingiu este valor. A teoria propõe que a variável ou o sistema em questão esteja sujeito a uma variação ou perturbação aleatória e de que também existem mecanismos que sistematicamente reduzem essa variação. Muito do poder predictivo ou explicativo da teoria prende-se com a especificação dessas forças de seleção. Presume-se que existem fortes tendências iniciais de inércia preservando o que sobreviveu a partir do processo de seleção. Todavia, em muitos casos, existem também forças que continuam a introduzir uma nova variedade, que é matéria adicional para o processo de seleção.” (Nelson, 1995:54)

Será isto matematizável? Há quem pense que sim, outros não. Deixará por isso de ser teoria? Certamente que não. Mesmo que não seja matematizável, entraremos no domínio da conflitualidade política de que fala Romer? Não me parece.

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