(Jovens na galeria Mohsen em Teerão, Financial Times)
(A
desesperante incapacidade do ocidente perceber os outros)
Sou fraco andarilho intercontinental e tenho de confessar que o oriente
nunca me entusiasmou. Para além disso, já não será com esta idade que se
consertam estas coisas, provavelmente provenientes de uma educação
pequeno-burguesa e securitária em demasia. O exotismo de outras paragens nunca
me seduziu particularmente e encaro-o como uma limitação, sobretudo para quem
se iniciou nos estudos do desenvolvimento.
Nesse registo e profundamente interessado pelas questões da mudança social
em economias com forte potencial de crescimento económico, recordo-me que a
explosão inesperada para muitos da revolução iraniana de 1979, quando os
ayatollah precipitaram a deterioração das relações do Irão com os Estados
Unidos da América e ocuparam as instalações da Embaixada americana com estrondo
mediático por todo o mundo, provocou uma forte crise identitária na sociologia
ocidental, sobretudo na americana. Predominava então por toda a academia
ocidental a convicção de que a ocidentalização do Irão estava em marcha e que
tal justificava o apoio ao poder do Xá que havia de ser expulso do processo. Aquelas
majestosas manifestações públicas de hordas imensas de gente vestida de preto
que ocupou o espaço público das cidades iranianas, cuja dimensão tornava
praticamente improvável qualquer preparação engenhosa das mesmas, irrompia
contra as convicções pretensamente sólidas da academia ocidental, então
surpreendida e petrificada pela emergência violenta dos traços mais profundos
de rebelião cultural anti-ocidente e mais acentuadamente anti-americanas.
Esta breve incursão pela memória dos meus registos de processos de mudança
social com profunda rotura dos trends que se estimavam sólidos e à prova de
qualquer tradicionalismo mais radical tem uma justificação. O Financial Times on line tem hoje uma peça notável de um editor de política externa Roula Khalaf,
centrada na desesperada tentativa de uma geração de jovens à normalidade: “Iran’s Generation Normal”. Dei comigo a
pensar que o ocidente não aprende. Assim, como há muitos anos atrás não
compreendeu como a ocidentalização do Irão era falsa e simplesmente colada
(sabe-se lá com quê!), provavelmente agora não será capaz de entender o
potencial de transformação social que uma geração mais jovem e mais qualificada
de iranianos apresenta no contexto de uma mais intensa circulação de ideias e
de trends à escala mundial. O cinema
de Kiarostami e outros cineastas iranianos menos conhecidos, a plêiade de
criativos que a sociedade iraniana vai gerando, as manifestações de moda em
Teerão e outros pulsares da geração jovem mais qualificada, mais conectada com
o mundo e por isso mais propensa à recetividade dos trends ocidentais. Não será por acaso que o Ali Khamenei líder
supremo ainda há pouco tempo se referia à guerra cultural que a sociedade
iraniana trava com “as más influências do ocidente”, sobretudo travada através
da maior propensão à abertura que os mais qualificados, empreendedores e
conectados revelam. E como Khalaf o assinala, a sociedade iraniana passou de
uma taxa de urbanização de 48,7% em 1979 para 71% no presente, o que anuncia
uma profunda mudança estrutural com profundas implicações. O sociólogo
Hamid-Reza Jalaipour da Universidade de Teerão traz para a recolha das evidências
de mudança um acontecimento que passou despercebido no ocidente mas que ele
associa a uma profunda viragem. No funeral de um cantor popular, cerca de
100.000 jovens juntaram-se e quebraram o vínculo do tradicionalismo rejeitando
a separação entre rapazes e raparigas, juntando simplesmente as mãos numa
manifestação gigantesca de autonomia, facto a que também não será estranho o
aumento da percentagem de mulheres com formação universitária que caminha
rapidamente para os 20%.
O que esta peça do Financial Times nos mostra é que o verdadeiro
desenvolvimento liberta as forças da mudança social e uma de duas: ou
artificialmente essas forças são domesticadas e o processo de desenvolvimento
está a ser truncado ou então o desenvolvimento liberta irreversivelmente essas
forças. E a mudança é apenas, imaginem bem, o desejo de uma normalidade. Não
terá sido por acaso que a sociedade iraniana recebeu com regozijo manifesto o
acordo em questões nucleares com Obama. Afinal, tal acordo potencia a tal
normalidade. Será o Ocidente capaz de entender de uma vez por todas a mudança
social nestes contextos? Talvez se o fizer a paz mundial agradeça.
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