( Romer versus Lucas)
(Ainda um pouco técnico)
Em post anterior, expressava a
intuição de que o mais recente pequeno artigo de Paul Romer no Papers & Proceedings da American Economic Review do maio em curso
iria agitar as águas do debate das ideias económicas, representando um para
todos nós feliz regresso de Romer às lides, já que um economista deste calibre não
pode estar ausente do debate económico.
Convém recordar que Romer alinha no debate enquanto representante de uma
corrente de economistas para os quais o formalismo matemático do pensamento
económico constitui a fonte decisiva do seu progresso científico e sobretudo a
via mais sólida para gerar consensos científicos acerca do modo como fazer
progredir o pensamento. Impõe-se aqui uma recordatória de como o debate é mais
largo do que parece. Há quem divida a teoria económica em teoria formal (a que
recorre ao formalismo matemático) e em teoria apreciativa (a que recorre a métodos
lógicos de rigor analítico embora não necessariamente matematizável). Que a
teoria formal é a mais reconhecida entre pares (um universo onde não estão
ausentes relações de poder no modo como é exercitado o direito de acesso à
publicação do conhecimento) é o que a experiência nos diz e esse até é o
argumento dos que defendem a supremacia da economia relativamente às restantes
ciências sociais (vejam-se posts anteriores
sobre a produção de Marion Fourcade sobre a arrogância dos economistas). Mas
que a teoria apreciativa pelo facto de não recorrer à modelização matemática não
deixa de ser, por isso, menos rigorosa é também algo que não devemos ignorar. Aliás,
quando os formalistas comunicam em público usam predominantemente a teoria
apreciativa e não são, por isso, considerados menos rigorosos.
Ora, pertencendo Romer ao grupo dos que perfilham o formalismo matemático,
por que razão, então, ele arremete contra alguns representantes desse grupo,
acusando-os de representantes da “mathiness” (matematite ou matematicidade) que
penaliza a progressão do consenso científico, explicando por essa via a
relativa estagnação da teoria do crescimento económico, depois do seu
reflorescimento nos anos 80 e primeira metade dos 90? É que para Romer o uso do
rigor matemático só é fator de progresso e de consenso no avanço científico
quando a sua utilização corresponde a grandezas e a realidades observáveis empiricamente,
embora imperfeitas como todas as grandezas estatísticas. A “mathiness” corresponde à utilização malévola
da matemática, gerando relações ambíguas entre as categorias matemáticas e as
categorias da realidade. Uma utilização malévola da matemática é elaborar uma representação
(ou modelo) que incorpora todas as ideias com potencial geração de valor económico
em artefactos de capital e que nega a sua não rivalidade e a possibilidade de
gerar um poder de mercado ao seu criador ou a quem a comprou para a transformar
em valor económico. Desta utilização malévola resultam três coisas: ignorar a
concorrência monopolista, ignorar a intervenção pública reguladora e admitir
que os autores das ideias não são remunerados continuando ainda assim a
produzir essas ideias.
Bradford DeLong entrou no debate, criticando Noah Smith no NohaOpinion e o
ambiente subiu obviamente de nível a favor de Romer:
“O
problema é que Paul Romer quer analisar questões sobre as quais a concorrência
perfeita não constitui um pressuposto que nos conduza a qualquer coisa de
semelhante a Conhecimento Verdadeiro sobre políticas de crescimento económico
apropriadas. E Lucas e companhia insistem de que ele o faz. Ora é isto que Romer contesta fortemente. E penso que Noah Smith não
compreende isto. O que Paul contesta não são os
fundamentos microeconómicos matematizados, o que ele contesta é a “mathiness”,
que restringe a possibilidade desses fundamentos microeconómicos garantirem um
resultado político particular (por exemplo regular o
poder de mercado excessivo que uma nova pode criar, acrescento eu) e ocultarem o que andam a fazer escondidos numa quantidade
de álgebra irrelevante e não fundamentada”.
Joshua Gans no Digitopoly tem também uma entrada sobre o assunto, esta mais
distanciada face ao tom central do debate e menos comprometida com o ataque de
Romer. O que está aqui em causa é a questão de saber se em ambiente de concorrência
perfeita é ou não possível explicar rigorosamente a produção de novas ideias. O
alvo das críticas de Romer é sobretudo a deliberada tentative de Robert Lucas
de formalizar a produção de conhecimento em ambiente concorrencial:
“Utilizando
uma terminologia relativamente diferente, podemos dizer que o conhecimento está
‘incorporado’ no indivíduo a curto prazo mas ‘não incorporado’ a longo prazo já
que ele preexiste a qualquer indivíduo. Romer (1990) sublinhou que o
conhecimento ligado a um específico capital humano pessoal é necessariamente
rival porque essa pessoa não pode estar ao mesmo tempo em mais do que um lugar.
Romer também sublinhou que um dos atributos de um bem puramente rival é que
pode ser replicado sem custos. Na nossa abordagem, a replicação exige sempre um
esforço de procura que tem um custo”.
Esta citação é preciosa, pois Lucas estabelece uma diferença subtil entre o
conhecimento que está associado a um capital humano específico (por exemplo, um
engenheiro que detém uma ideia sobre uma empresa e nela trabalha), da qual não
há dúvidas de que é um bem rival e uma ideia que tem valor económico e que pode
ser replicada indefinidamente por uma empresa qualquer (imaginem um software
descoberto de novo e que será vendido em doses massivas), que constitui sem
qualquer dúvida um bem não rival. Ora, a formalização a que Romer se refere é a
da versão não rival. E a não rivalidade não é para todo o sempre. Sabemos que
quando a ideia não rival aparece no mercado sob a forma de um produto ela pode
ser replicada, mesmo não conhecendo nem detendo a patente. Há uma coisa que se
chama o “reverse engineering”, em
certos casos é possível reconstituir a transformação da ideia em produto. A
história da computação diz-nos que o segundo computador da história foi assim
construído a partir do original da IBM e sempre com a companhia de um batalhão
de advogados para preservar a não ofensa da patente.
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