domingo, 17 de maio de 2015

ESTAVA CERTO!


( Romer versus Lucas)

(Ainda um pouco técnico)


Em post anterior, expressava a intuição de que o mais recente pequeno artigo de Paul Romer no Papers & Proceedings da American Economic Review do maio em curso iria agitar as águas do debate das ideias económicas, representando um para todos nós feliz regresso de Romer às lides, já que um economista deste calibre não pode estar ausente do debate económico.

Convém recordar que Romer alinha no debate enquanto representante de uma corrente de economistas para os quais o formalismo matemático do pensamento económico constitui a fonte decisiva do seu progresso científico e sobretudo a via mais sólida para gerar consensos científicos acerca do modo como fazer progredir o pensamento. Impõe-se aqui uma recordatória de como o debate é mais largo do que parece. Há quem divida a teoria económica em teoria formal (a que recorre ao formalismo matemático) e em teoria apreciativa (a que recorre a métodos lógicos de rigor analítico embora não necessariamente matematizável). Que a teoria formal é a mais reconhecida entre pares (um universo onde não estão ausentes relações de poder no modo como é exercitado o direito de acesso à publicação do conhecimento) é o que a experiência nos diz e esse até é o argumento dos que defendem a supremacia da economia relativamente às restantes ciências sociais (vejam-se posts anteriores sobre a produção de Marion Fourcade sobre a arrogância dos economistas). Mas que a teoria apreciativa pelo facto de não recorrer à modelização matemática não deixa de ser, por isso, menos rigorosa é também algo que não devemos ignorar. Aliás, quando os formalistas comunicam em público usam predominantemente a teoria apreciativa e não são, por isso, considerados menos rigorosos.

Ora, pertencendo Romer ao grupo dos que perfilham o formalismo matemático, por que razão, então, ele arremete contra alguns representantes desse grupo, acusando-os de representantes da “mathiness” (matematite ou matematicidade) que penaliza a progressão do consenso científico, explicando por essa via a relativa estagnação da teoria do crescimento económico, depois do seu reflorescimento nos anos 80 e primeira metade dos 90? É que para Romer o uso do rigor matemático só é fator de progresso e de consenso no avanço científico quando a sua utilização corresponde a grandezas e a realidades observáveis empiricamente, embora imperfeitas como todas as grandezas estatísticas. A “mathiness” corresponde à utilização malévola da matemática, gerando relações ambíguas entre as categorias matemáticas e as categorias da realidade. Uma utilização malévola da matemática é elaborar uma representação (ou modelo) que incorpora todas as ideias com potencial geração de valor económico em artefactos de capital e que nega a sua não rivalidade e a possibilidade de gerar um poder de mercado ao seu criador ou a quem a comprou para a transformar em valor económico. Desta utilização malévola resultam três coisas: ignorar a concorrência monopolista, ignorar a intervenção pública reguladora e admitir que os autores das ideias não são remunerados continuando ainda assim a produzir essas ideias.


Bradford DeLong entrou no debate, criticando Noah Smith no NohaOpinion e o ambiente subiu obviamente de nível a favor de Romer:

O problema é que Paul Romer quer analisar questões sobre as quais a concorrência perfeita não constitui um pressuposto que nos conduza a qualquer coisa de semelhante a Conhecimento Verdadeiro sobre políticas de crescimento económico apropriadas. E Lucas e companhia insistem de que ele o faz. Ora é isto que Romer contesta fortemente. E penso que Noah Smith não compreende isto. O que Paul contesta não são os fundamentos microeconómicos matematizados, o que ele contesta é a “mathiness”, que restringe a possibilidade desses fundamentos microeconómicos garantirem um resultado político particular (por exemplo regular o poder de mercado excessivo que uma nova pode criar, acrescento eu) e ocultarem o que andam a fazer escondidos numa quantidade de álgebra irrelevante e não fundamentada”.

Joshua Gans no Digitopoly tem também uma entrada sobre o assunto, esta mais distanciada face ao tom central do debate e menos comprometida com o ataque de Romer. O que está aqui em causa é a questão de saber se em ambiente de concorrência perfeita é ou não possível explicar rigorosamente a produção de novas ideias. O alvo das críticas de Romer é sobretudo a deliberada tentative de Robert Lucas de formalizar a produção de conhecimento em ambiente concorrencial:

Utilizando uma terminologia relativamente diferente, podemos dizer que o conhecimento está ‘incorporado’ no indivíduo a curto prazo mas ‘não incorporado’ a longo prazo já que ele preexiste a qualquer indivíduo. Romer (1990) sublinhou que o conhecimento ligado a um específico capital humano pessoal é necessariamente rival porque essa pessoa não pode estar ao mesmo tempo em mais do que um lugar. Romer também sublinhou que um dos atributos de um bem puramente rival é que pode ser replicado sem custos. Na nossa abordagem, a replicação exige sempre um esforço de procura que tem um custo”.

Esta citação é preciosa, pois Lucas estabelece uma diferença subtil entre o conhecimento que está associado a um capital humano específico (por exemplo, um engenheiro que detém uma ideia sobre uma empresa e nela trabalha), da qual não há dúvidas de que é um bem rival e uma ideia que tem valor económico e que pode ser replicada indefinidamente por uma empresa qualquer (imaginem um software descoberto de novo e que será vendido em doses massivas), que constitui sem qualquer dúvida um bem não rival. Ora, a formalização a que Romer se refere é a da versão não rival. E a não rivalidade não é para todo o sempre. Sabemos que quando a ideia não rival aparece no mercado sob a forma de um produto ela pode ser replicada, mesmo não conhecendo nem detendo a patente. Há uma coisa que se chama o “reverse engineering”, em certos casos é possível reconstituir a transformação da ideia em produto. A história da computação diz-nos que o segundo computador da história foi assim construído a partir do original da IBM e sempre com a companhia de um batalhão de advogados para preservar a não ofensa da patente.

Sem comentários:

Enviar um comentário