sábado, 30 de maio de 2015

A RECONDUÇÃO






(Tentando não ser injusto)

Como por repetidas vezes acentuei, a minha relação de amizade com o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, tem-me conduzido ao pudor de não comentar abundantemente a sua atuação como regulador, principalmente porque não utilizo a amizade para obter informação privilegiada e nesse contexto é mais ético não comentar dimensões da sua própria atividade como regulador.

Mas a sua recondução por indicação expressa da atual maioria que até poderia ser devidamente compreendida se convenientemente explicada aos portugueses, que não foi, esclareça-se, constitui em si um facto político e daí achar que, embora sem quebrar a regras que a mim próprio impus, a recondução merece um comentário.

E devo dizer que tenho pelo exercício do governador um grande apreço, sobretudo no contexto em que ele foi concretizado. Embora o inquérito parlamentar que, tudo indica, constituiu um “one stop event”, sem consequências marcantes do ponto de vista político e da evolução da regulação bancária, tenha anotado um tempo de reação do Banco de Portugal quanto ao caso BES mais lento do que seria conveniente, a verdade é que o Governador ficará na história da regulação bancária como aquele acabou com a impunidade da família Espírito Santo. E convém não esquecer que, no cenário que precipitou a queda do último governo de Sócrates e que determinou o braço de ferro entre o então primeiro-ministro e o seu ministro das Finanças, houve uma famosa reunião de banqueiros com Ricardo Salgado a comandar as hostes, que constituiu uma inequívoca forma de pressão sobre o governo e sobre a sua relação com as instâncias financeiras internacionais. Quem imaginaria então que o comandante das hostes já teria nessa altura provavelmente pés de barro da pior qualidade, independentemente da mais que provável excelente qualidade dos seus sapatos? Por isso, tendo a contextualizar a aparente hesitação do regulador em intervir de forma mais célere, certamente à procura de elementos de evidência e de prova que colocassem a interdição acima de qualquer eventual reversibilidade.

Depois, face à evidência disponível, continuo a achar que a resolução do BES por mais atípica que se transformasse constituiu a medida mais acertada. E com esse pressuposto que só uma venda ruinosa do Novo Banco, a eventual reação negativa da banca recusando-se a pagar qualquer diferencial de preço determinado por essa venda e as sequelas jurídicas que vão arrastar-se pelos tribunais podem colocar em causa, há que reconhecer que só uma personalidade com a estaleca técnica e o reconhecimento junto das instâncias e autoridades internacionais que Carlos Costa tem seria capaz de conduzir a bom porto uma operação tão complexa num espaço de tempo tão curto e sem benchmarking disponível.

Pode perguntar-se então o que é que neste contexto justificará a aparente amargura com que o Governador assumiu o convite para a sua recondução? São as sequelas do alarido dos lesados do papel comercial com ofensas ao bom nome que devem ter cavado bem fundo no estado de espírito do Governador? Serão também as sequelas do relacionamento tudo menos saudável entre os responsáveis de Banco de Portugal e de CMVM? Creio que são acontecimentos que fizeram mossa e que devem ter abalado a autoestima do Governador. Mas em meu entender, face ao perfil de servidor público e privado que Carlos Costa tem cultivado com a máxima intransigência, o que sai de todo este processo como o principal elemento cáustico e penalizador é o facto da evolução das condições objetivas de desenvolvimento de todo o processo terem colocado o Governador sob o manto da maioria. A partir do momento em que o Governador deu o peito às balas e assumiu a decisão da resolução como algo proveniente apenas do seu juízo de avaliação do interesse público, a sua decisão favoreceu objetivamente a posição oportunista do Governo de isso não é nada connosco. Alguns deputados do PSD integrantes do grupo responsável pelo inquérito parlamentar ao BES e a própria ministra das Finanças bem tentaram pontualmente afastar-se do Governador, deixando-o a dilacerar-se com a decisão de dar o peito às balas. Mas rapidamente Passos Coelho e respetiva entourage emendaram o tipo de partida e reconheceram que o Governador objetivamente e provavelmente sem o pretender lhes prestou um grande serviço, ratificando o seu afastamento do processo.

Estou certo que o Governador desejaria um outro consenso na sua recondução e uma outra equidistância a todas as forças políticas. As condições objetivas de desenvolvimento de um processo desta complexidade tendem a superar os alinhamentos iniciais dos posicionamentos pessoais. Por isso, a concretização da sua recondução, mesmo que a venda do Novo Banco cumpra os mínimos expectados, e o próximo cenário de possível emergência de uma nova governação com um outro apoio parlamentar introduzirão um novo contexto de relacionamento entre governo e regulador. A seguir com a máxima atenção.

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