(Tentando não
ser injusto)
Como por repetidas vezes acentuei, a minha relação de amizade com o
Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, tem-me conduzido ao pudor de não
comentar abundantemente a sua atuação como regulador, principalmente porque não
utilizo a amizade para obter informação privilegiada e nesse contexto é mais ético
não comentar dimensões da sua própria atividade como regulador.
Mas a sua recondução por indicação expressa da atual maioria que até
poderia ser devidamente compreendida se convenientemente explicada aos
portugueses, que não foi, esclareça-se, constitui em si um facto político e daí
achar que, embora sem quebrar a regras que a mim próprio impus, a recondução
merece um comentário.
E devo dizer que tenho pelo exercício do governador um grande apreço,
sobretudo no contexto em que ele foi concretizado. Embora o inquérito
parlamentar que, tudo indica, constituiu um “one stop event”, sem consequências marcantes do ponto de vista político
e da evolução da regulação bancária, tenha anotado um tempo de reação do Banco
de Portugal quanto ao caso BES mais lento do que seria conveniente, a verdade é
que o Governador ficará na história da regulação bancária como aquele acabou
com a impunidade da família Espírito Santo. E convém não esquecer que, no cenário
que precipitou a queda do último governo de Sócrates e que determinou o braço
de ferro entre o então primeiro-ministro e o seu ministro das Finanças, houve
uma famosa reunião de banqueiros com Ricardo Salgado a comandar as hostes, que
constituiu uma inequívoca forma de pressão sobre o governo e sobre a sua relação
com as instâncias financeiras internacionais. Quem imaginaria então que o
comandante das hostes já teria nessa altura provavelmente pés de barro da pior
qualidade, independentemente da mais que provável excelente qualidade dos seus
sapatos? Por isso, tendo a contextualizar a aparente hesitação do regulador em
intervir de forma mais célere, certamente à procura de elementos de evidência e
de prova que colocassem a interdição acima de qualquer eventual
reversibilidade.
Depois, face à evidência disponível, continuo a achar que a resolução do
BES por mais atípica que se transformasse constituiu a medida mais acertada. E
com esse pressuposto que só uma venda ruinosa do Novo Banco, a eventual reação
negativa da banca recusando-se a pagar qualquer diferencial de preço
determinado por essa venda e as sequelas jurídicas que vão arrastar-se pelos
tribunais podem colocar em causa, há que reconhecer que só uma personalidade com
a estaleca técnica e o reconhecimento junto das instâncias e autoridades
internacionais que Carlos Costa tem seria capaz de conduzir a bom porto uma
operação tão complexa num espaço de tempo tão curto e sem benchmarking disponível.
Pode perguntar-se então o que é que neste contexto justificará a aparente
amargura com que o Governador assumiu o convite para a sua recondução? São as
sequelas do alarido dos lesados do papel comercial com ofensas ao bom nome que
devem ter cavado bem fundo no estado de espírito do Governador? Serão também as
sequelas do relacionamento tudo menos saudável entre os responsáveis de Banco
de Portugal e de CMVM? Creio que são acontecimentos que fizeram mossa e que
devem ter abalado a autoestima do Governador. Mas em meu entender, face ao
perfil de servidor público e privado que Carlos Costa tem cultivado com a máxima
intransigência, o que sai de todo este processo como o principal elemento cáustico
e penalizador é o facto da evolução das condições objetivas de desenvolvimento
de todo o processo terem colocado o Governador sob o manto da maioria. A partir
do momento em que o Governador deu o peito às balas e assumiu a decisão da resolução
como algo proveniente apenas do seu juízo de avaliação do interesse público, a
sua decisão favoreceu objetivamente a posição oportunista do Governo de isso não
é nada connosco. Alguns deputados do PSD integrantes do grupo responsável pelo
inquérito parlamentar ao BES e a própria ministra das Finanças bem tentaram
pontualmente afastar-se do Governador, deixando-o a dilacerar-se com a decisão
de dar o peito às balas. Mas rapidamente Passos Coelho e respetiva entourage emendaram o tipo de partida e
reconheceram que o Governador objetivamente e provavelmente sem o pretender
lhes prestou um grande serviço, ratificando o seu afastamento do processo.
Estou certo que o Governador desejaria um outro consenso na sua recondução
e uma outra equidistância a todas as forças políticas. As condições objetivas
de desenvolvimento de um processo desta complexidade tendem a superar os
alinhamentos iniciais dos posicionamentos pessoais. Por isso, a concretização da
sua recondução, mesmo que a venda do Novo Banco cumpra os mínimos expectados, e
o próximo cenário de possível emergência de uma nova governação com um outro
apoio parlamentar introduzirão um novo contexto de relacionamento entre governo
e regulador. A seguir com a máxima atenção.
Sem comentários:
Enviar um comentário