(Nos
meandros da ciência económica)
O INTERESSE PRIVADO, ACÇÃO PÚBLICA teve a intuição certa quando antecipou que o
retorno de Paul Romer aos meandros do debate das ideias económicas iria marcar
o ambiente académico em 2015. E como uma sumária, e por isso muito falível,
incursão pelo debate das ideias em Portugal mostra que as nossas cabeças
pensantes estão a leste do movimento, o blogue pode orgulhar-se da sua
intuição, se bem que maltratada pela nossa, ainda, reduzida difusão.
O tema em debate gira em torno da questão de saber como é que se geram
consensos na ciência económica suscetíveis de proporcionar as condições
adequadas para o avanço do conhecimento em certas áreas da economia. Através da
introdução no debate do seu conceito, não fácil de explicar, de “Mathiness”, Romer centra-se no apaixonante
mundo de discutir se o progresso científico na explicação dos fenómenos da
inovação e da criação de ideias com potencial geração de valor económico deve
ser modelizado em regime de concorrência perfeita (price-takers) ou, pelo contrário,
como o interpelante Romer sustenta em ambiente de concorrência monopolista (price-makers).
O debate é virtuoso porque desenterra velhas polémicas da economia, que vêm
desde os fins dos anos 40 (Stigler, 1948) e meados de 50 (Milton Friedman, 1953
com o clássico Methodology of Positive Economics),
ambos entendidos como momentos decisivos no cortar de asas aos economistas que
cedo perceberam as virtualidades da modelização da concorrência monopolista
para entender a economia real e sobretudo fundamentar uma intervenção de
política pública coerente. Como já aqui foi referido, Romer considera que só a
ciência económica que utiliza o rigor matemático pode aspirar a gerar consensos
que façam avançar o conhecimento, mas é violentamente crítico da utilização da
matemática que não permite o estabelecimento de correspondências claras entre
os conceitos matemáticos e as categorias observáveis da economia real. Podemos
considerar esta posição atrofiadora do debate económico, porque deixa de fora a
chamada teoria apreciativa, baseada em outras origens de rigor lógico e
analítico que não apenas a linguagem matemática. Mas a sua investida contra a Mathiness, e os alvos dessa investida
não são arraia miúda, mas antes tubarões da reprodução do pensamento económico
em ambientes de concorrência, pode ser bem de maior alcance do que a
polarização entre teoria apreciativa e teoria formal.
Recentemente, em resposta a uma réplica, como sempre inteligente de Simon Wren-Lewis, que diagnosticava um mal-estar na economia que transcenderia a a
existência de modelos individuais mal concebidos, Romer vem situar o problema
não no domínio estritamente metodológico, mas antes surpreendentemente no
universo das normas pelas quais se deve reger o debate científico. Vale a pena
recordar aqui o conjunto de normas que a comunidade científica deveria aceitar
para que o debate possa contribuir para o progresso científico e que assegure
um equilíbrio reputacional estimulante da confiança e da retribuição da procura
da verdade. As normas são as seguintes, citando:
“a) Confiamos
que o que cada interveniente apresenta no debate é um registo fiel do que ele
ou ela pensam ser verdadeiro;
b) Todos
reconhecemos que pessoas razoáveis podem divergir e que ninguém tem acesso
privilegiado à verdade;
c) Temos em
devida conta os argumentos de quem discorda de nós;
d) Estamos
prontos para admitir que outros possam estar certos onde cada um de nós pode
estar errado;
e) Nas
nossas discussões, argumentos que são reconhecidos por uma clara pluralidade de
membros da comunidade como sendo os que são melhor suportados pela lógica e
pela evidência são os que devem ser provisoriamente aceites como verdadeiros;
f) Julgando
o que é que representa uma “pluralidade clara”, atribuímos maior ponderação às
pessoas com mais elevado estatuto na comunidade e que são
reconhecidas como tendo uma maior expertise sobre o assunto;
g) Revemos
o estatuto dos membros da nossa comunidade na base do seu contributo para o
progresso de uma compreensão mais clara do que é verdadeiro, e não com base
numa “inabalável convicção” ou na “lealdade para com o grupo”;
h)
Rejeitamos ou excluímos da comunidade alguém que revela que não está disposto a
comprometer-se com estes princípios”.
A defesa deste universo de normas levará certamente água no bico e, mantendo-se
fiel à sua defesa da matemática, propõe um conjunto de questões para tentar
desbloquear o debate concorrência perfeita versus concorrência monopolista como
o ambiente pertinente para modelizar a compreensão dos processos de inovação:
1. “Os argumentos matemáticos específicos estão logicamente corretos?
2. As palavras que o autor utiliza para descrever um resultado matemático estão
em conformidade com o que ele evidencia?
3. Está o autor a apresentar uma palavra ou frase cujo significado é
diametralmente oposto ao que a maioria dos leitores irá assumir?
4. O autor invoca a defesa “Humpty-Dumpty” (Alice de Lewis Carrol) de que uma
determinada afirmação é verdadeira porque “uso esta palavra para significar
alguma coisa diferente do que a maioria das pessoas pensa que significa”.
Romer atira-se sobretudo ao positivismo económico (Friedman e companhia) que
precocemente erradicou a concorrência monopolista do mainstream económico:
“Premissa maior: Melhores teorias assentam em premissas mais irrealistas;
Premissa menor: A
concorrência perfeita assenta em premissas que são mais irrealistas do que as
da concorrência monopolista.
Conclusão: A concorrência
perfeita é a melhor teoria”
E ainda que não o assuma totalmente, Romer acaba por ser conduzido aos
problemas do poder no interior das comunidades científicas, citando:
“Ainda
acredito que do lado do mapa na relação entre mapa e terreno, uma pessoa que
trabalhe sozinha pode provar de forma logicamente correta um teorema matemático.
Mas acabei por acreditar que o único conhecimento válido acerca do terreno
resulta de um consenso de grupo. Os indivíduos humanos não são suficientemente
auto cuidadosos para filtrar os seus próprios enviesamentos.
Se os cães
tivessem diferentes tipos de cérebros, poderiam entender cálculo e a dinâmica
Newtoniana. Se os humanos tivessem diferentes tipos de cérebros, poderia ser
que tivessem perceções do mundo que não fossem enviesadas. Mas temos de
trabalhar com o que temos.
Eu
desejaria que não fosse necessário dizê-lo mas é: o tipo de consenso de grupo
que um culto gera não é melhor do que a avaliação do líder reverenciado. O que
a verdadeira ciência requer é um consenso que seja construído entre pessoas que
saibam pensar independentemente e que não tenham medo de serem atacados pelo
simples facto de discordarem dos mais velhos.
Ainda amo a
beleza da matemática, mas perdi a arrogância da juventude, a confiança em que
uma pessoa trabalhando sozinha possa descobrir o verdadeiro conhecimento sobre
o terreno.”
Embora não me reveja totalmente na defesa da matemática como fator de
consenso entre os economistas, simplesmente pelo facto de não ter competência
matemática para poder assumir esse estatuto, acho que estes princípios,
sobretudo este último da defesa do pensamento independente nas Universidades e
nas comunidades científicas, deveria constar dos manuais de funcionamento e de
compromisso individual e coletivo.
Interrogo-me sobre o que pode estar na origem desta ofensiva de Romer no
debate económico e sobretudo do ataque ao mainstream
da concorrência perfeita. Mas o debate ainda começou!
Sem comentários:
Enviar um comentário