As políticas de combate e erradicação da pobreza, sobretudo na sua dimensão
de pobreza absoluta, isto é, de massa e percentagem de pessoas a viver abaixo
de um determinado limiar de rendimento (à paridade de poder de compra), dividem-se
regra geral e para a grande generalidade dos países em duas vertentes: a das
políticas sociais dirigidas aos diferentes indivíduos e famílias situadas
abaixo dessa linha de pobreza e das políticas de crescimento económico com
conteúdo de redução de pobreza (pro-poor growth
policies).
A literatura tem reconhecido a complementaridade entre as duas vertentes de
políticas, reconhecendo também que é perigosa a tentação de foco exclusivo em
qualquer uma das vertentes. Por um lado, não há orçamento público que suporte
uma política exclusivamente centrada em grupos específicos e, por outro, nem
sempre o crescimento económico assegura a redução pretendida, já que não é
suficientemente pro-poor. Isto não implica
que se ignore que, à escala mundial da redução da pobreza absoluta, o
crescimento económico não seja vital para assegurar esse desiderato. Veja-se,
por exemplo, o efeito espantoso do crescimento económico chinês em ter
transportado para cima da linha de pobreza absoluta uma massa enorme de indivíduos.
E outros casos de crescimento económico asiático vão na mesma direção.
Nos últimos tempos, porém, há um continente em que o contributo do
crescimento económico para a redução da pobreza parece contradizer em absoluto
as conclusões da literatura. Esse continente é África e vale a pena que nos
debrucemos sobre a não conformidade dos dados com a literatura. Na verdade, a
África sub-sahariana tem vindo a crescer sustentadamente nos últimos 20 anos, a
uma taxa que para europeus é uma miragem, ou seja 5,2% ao ano. Não é de facto
informação típicamente de senso comum, pois a ideia de que o subdesenvolvimento
pode coexistir com o crescimento económico não é tão generalizada como isso.
Ora, embora o crescimento económico tenha finalmente bafejado este continente,
a verdade é que a população a viver com menos de 1, 25 dólares por dia aumentou
de 358 milhões de pessoas em 1996 para 415 milhões em 2011. É um facto que
teríamos de analisar se o crescimento de 5,2% ao ano foi concretizado em
ambiente de grande volatilidade de taxas de crescimento (com desvios-padrão
assinaláveis face a essa média) ou se, pelo contrário, o foi em ambiente de
grande estabilidade. Tenho elementos para afirmar que foi a volatilidade e não
a estabilidade que predominou. Este elemento aconselha a que moderemos a
importância atribuída a um período de crescimento em 20 anos. É que em
populações de rendimentos tão baixos os efeitos de uma subida e de uma queda de
rendimento não são simétricos, a última cava mais fundo do que a primeira
consegue recuperar.
Mas, de qualquer modo, seria de esperar desta performance de crescimento um
outro contributo para a redução da pobreza absoluta, o que não aconteceu.
Logicamente, poderemos concluir que o crescimento não foi pro-poor,
e que provavelmente o rendimento dos percentis de rendimento mais elevado terá
crescido a taxas incomparavelmente mais elevadas do que os 5,2% e, em
contrapartida, os percentis pobres terão aumentado o seu rendimento a taxas
abaixo dos tais 5,2%.
Onde eu quero chegar é simples. Em linha com um dos temas fulcrais de
pesquisa e pronunciamento deste blogue, o que podemos dizer é que também em
África o crescimento económico não logrou fraturar a relação entre pobreza e
desigualdade. E isso não pode deixar de ser apontado como uma deriva do
capitalismo planetário que a globalização tem vindo a proporcionar.
Laurence Chandy tem no Brookings Brief
um relevante alerta sobre a matéria. As implicações desta deriva são de ampla e
diversificada natureza. O que se passa em África não é dissociável de agentes
internos reprodutores dessa deriva do capitalismo. Assim sendo, não podem ser
ignorados os efeitos que essa conclusão terá de produzir sobre as condições em
que a ajuda pública internacional terá de ser proporcionada. E algumas forças
políticas a ocidente não deixarão hipocritamente de usar essa evidência para
justificar quedas e cortes dos orçamentos nacionais para a ajuda pública
internacional.
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