terça-feira, 5 de maio de 2015

CRESCIMENTO E POBREZA




As políticas de combate e erradicação da pobreza, sobretudo na sua dimensão de pobreza absoluta, isto é, de massa e percentagem de pessoas a viver abaixo de um determinado limiar de rendimento (à paridade de poder de compra), dividem-se regra geral e para a grande generalidade dos países em duas vertentes: a das políticas sociais dirigidas aos diferentes indivíduos e famílias situadas abaixo dessa linha de pobreza e das políticas de crescimento económico com conteúdo de redução de pobreza (pro-poor growth policies).

A literatura tem reconhecido a complementaridade entre as duas vertentes de políticas, reconhecendo também que é perigosa a tentação de foco exclusivo em qualquer uma das vertentes. Por um lado, não há orçamento público que suporte uma política exclusivamente centrada em grupos específicos e, por outro, nem sempre o crescimento económico assegura a redução pretendida, já que não é suficientemente pro-poor. Isto não implica que se ignore que, à escala mundial da redução da pobreza absoluta, o crescimento económico não seja vital para assegurar esse desiderato. Veja-se, por exemplo, o efeito espantoso do crescimento económico chinês em ter transportado para cima da linha de pobreza absoluta uma massa enorme de indivíduos. E outros casos de crescimento económico asiático vão na mesma direção.

Nos últimos tempos, porém, há um continente em que o contributo do crescimento económico para a redução da pobreza parece contradizer em absoluto as conclusões da literatura. Esse continente é África e vale a pena que nos debrucemos sobre a não conformidade dos dados com a literatura. Na verdade, a África sub-sahariana tem vindo a crescer sustentadamente nos últimos 20 anos, a uma taxa que para europeus é uma miragem, ou seja 5,2% ao ano. Não é de facto informação típicamente de senso comum, pois a ideia de que o subdesenvolvimento pode coexistir com o crescimento económico não é tão generalizada como isso. Ora, embora o crescimento económico tenha finalmente bafejado este continente, a verdade é que a população a viver com menos de 1, 25 dólares por dia aumentou de 358 milhões de pessoas em 1996 para 415 milhões em 2011. É um facto que teríamos de analisar se o crescimento de 5,2% ao ano foi concretizado em ambiente de grande volatilidade de taxas de crescimento (com desvios-padrão assinaláveis face a essa média) ou se, pelo contrário, o foi em ambiente de grande estabilidade. Tenho elementos para afirmar que foi a volatilidade e não a estabilidade que predominou. Este elemento aconselha a que moderemos a importância atribuída a um período de crescimento em 20 anos. É que em populações de rendimentos tão baixos os efeitos de uma subida e de uma queda de rendimento não são simétricos, a última cava mais fundo do que a primeira consegue recuperar.

Mas, de qualquer modo, seria de esperar desta performance de crescimento um outro contributo para a redução da pobreza absoluta, o que não aconteceu. Logicamente, poderemos concluir que o crescimento não foi pro-poor, e que provavelmente o rendimento dos percentis de rendimento mais elevado terá crescido a taxas incomparavelmente mais elevadas do que os 5,2% e, em contrapartida, os percentis pobres terão aumentado o seu rendimento a taxas abaixo dos tais 5,2%.

Onde eu quero chegar é simples. Em linha com um dos temas fulcrais de pesquisa e pronunciamento deste blogue, o que podemos dizer é que também em África o crescimento económico não logrou fraturar a relação entre pobreza e desigualdade. E isso não pode deixar de ser apontado como uma deriva do capitalismo planetário que a globalização tem vindo a proporcionar.

Laurence Chandy tem no Brookings Brief um relevante alerta sobre a matéria. As implicações desta deriva são de ampla e diversificada natureza. O que se passa em África não é dissociável de agentes internos reprodutores dessa deriva do capitalismo. Assim sendo, não podem ser ignorados os efeitos que essa conclusão terá de produzir sobre as condições em que a ajuda pública internacional terá de ser proporcionada. E algumas forças políticas a ocidente não deixarão hipocritamente de usar essa evidência para justificar quedas e cortes dos orçamentos nacionais para a ajuda pública internacional.

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