sábado, 9 de maio de 2015

BRITISH ILAÇÕES (IV)



A carta e a macroeconomia

Agora que os derrotados choram leite derramado e o vencedor Cameron se prepara para as novas clivagens que vão emergir no interior dos Conservadores, com a promessa de referendo a incomodar sobretudo as hostes do sistema financeiro londrino, é altura de fechar neste blogue a série de posts sobre as surpreendentes (pelos resultados) eleições britânicas, com referência cirúrgica a dois fatores que terão pesado na decisão dos eleitores britânicos.

A carta! Mas que raio de carta se trata? A imagem que abre este post mostra David Cameron a brandir a “carta” como se um grande argumento se tratasse para justificar o voto na continuidade conservadora. Ora, a carta é mesmo uma carta e foi redigida em tempo de passagem de testemunho de trabalhistas a conservadores pelo antigo ministro do Tesouro do governo Labour Liam Byrne que por acaso até foi eleito nesta eleição, reforçando a sua votação. A missiva de que o ex-ministro hoje tanto se arrepende, endereçada ao seu sucessor Lib Dem David Laws, dizia que receava que não houvesse dinheiro nos cofres, desejando felicidades ao seu sucessor. Cameron usou este estranho presente até à exaustão para mostrar que os trabalhistas governaram sob o signo do descontrolo e do desbaratar da despesa, sobretudo para justificar a sua agressiva consolidação das contas públicas. Não lembraria ao diabo este presente trabalhista e recomendaria por cá alguma atenção ao argumento que certamente Maria Luís Albuquerque vai acionar com a sua constatação de que os cofres estão cheios. Isto se Passos continuar a utilizar as eleições britânicas em proveito próprio.

O outro fator em que gostaria de me fixar é de âmbito macroeconómico. Trata-se de discutir se o tipo de austeridade a que os britânicos foram sujeitos sem justificação racional que não seja a de os Conservadores aproveitarem a embalagem para a consolidação fiscal para impor o desmantelamento de alguns serviços públicos que pretendiam privatizar ou reduzir a marca pública de modo substancial foi ou não sentida pelos britânicos. Aparentemente não o terá sido, ou pelo menos terá sido compreendida, extrapolando a partir dos resultados eleitorais. David Andolfatto tem uma excelente análise sobre esta matéria.

Que a austeridade britânica impediu a economia de crescer tanto quanto poderia ter crescido nas condições de enquadramento favorável de que dispunha parece não haver dúvida. O gráfico abaixo mostra bem como o produto real britânico poderia ter crescido de modo diferente se o rumo fosse outro. E em matéria de comportamento do rendimento per capita, comparativamente com os EUA, o peso da austeridade é também manifesto. E a pergunta é inevitável. Foi o Labour e os economistas e imprensa que o apoiou incapaz de explicar este efeito enviesado da política macroeconómica britânica? Foram simplesmente os eleitores insensíveis?




David Andolfatto mostra que estranhamente o efeito da austeridade sobre o produto não foi acompanhado de efeitos similares sobre o mercado de trabalho. E seleciona para isso algumas variáveis (ver gráficos seguintes sobre a taxa de desemprego, o rácio emprego/população e a taxa de participação da força de trabalho) que evidenciam que o confronto com a economia americana é bem mais favorável do que o observado em termos de produto. É de facto uma sugestiva análise e já aqui noutra oportunidade chamei a atenção para algo que pode explicar este comportamento mais favorável do mercado de trabalho no Reino Unido. A justificação chama-se produtividade. Esta variável corre o risco de constituir uma fragilidade futura da economia britânica, mas funcionou neste período como uma válvula de segurança, impedindo que a austeridade tivesse efeitos no produto e também no emprego e no desemprego. Com este contexto, compreende-se melhor a reação eleitoral de quinta-feira passada, mas em termos dinâmicos o problema subsiste, a economia britânica não será competitiva com tão frágil comportamento da produtividade.



Simon Wren-Lewis, um adversário confesso dos conservadores, afirmava sexta- feira passada que Cameron era um sortudo. Será provavelmente uma injusta classificação para os dotes políticos de Cameron, mas que houve um conjunto muito favorável de circunstâncias, as que referi e o próprio nacionalismo escocês, dificilmente repetíveis noutra conjuntura eleitoral, parece também não haver dúvida.

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