(Um pouco técnico)
A reunião anual da American Economic
Association representa, mesmo que nós Europeus tenhamos
dificuldade em admiti-lo, o evento chave para compreender a evolução da
economia como projeto de ciência. E a publicação em maio de cada ano dos Papers & Proceedings na American Economic Review, onde todos querem
publicar, representa por sua vez o momento crucial para conhecer e analisar em
profundidade as versões em papel ou digitais do que lá se apresentou e discutiu.
Em dois posts anteriores dei conta neste blogue do aparente ressurgimento
de um economista que admiro em primeira linha, Paul Romer, agora
profissionalmente na New York Stern University e intelectualmente focado no
tema da urbanização e no projeto das Charter Cities. Fiz aqui eco de uma
importante entrevista de Romer a um jornal de Hong-Kong, cujo relevo advinha de
pela primeira há já algum tempo Romer dar conta da estagnação em que se
encontrava a teoria do crescimento, sobretudo a partir do momento (1990) em que
Romer publicou o seu último modelo do progresso técnico endógeno (“Endogenous Technical Change”, no Journal of Political Economy, volume 98, nº
5), apresentando razões convincentes para essa estagnação.
Ora, no Papers & Proceedings da American Economic Review de maio em curso,
Paul Romer publica um curtíssimo mas importante artigo, “Mathiness in the
Theory of Economic Growth”, no qual recupera de forma mais aprofundada e
conceptualmente mais evoluída a sua explicação para a estagnação do crescimento
económico, mas fazendo-o de modo mais agressivo e contundente e atirando-se com
destemor aos que ele considera ser os principais responsáveis por tal estagnação.
O termo “mathiness” é difícil traduzir para Português, mas vamos optar por
termos como “matematicidade” para ultrapassar essa dificuldade.
A argumentação de Paul Romer é um excelente documento pedagógico para
introduzirmos os problemas metodológicos em economia e discutir a
cientificidade da disciplina, nunca esquecendo que Romer alinha entre os que não
hesitam em projetar a economia para os braços da ciência, mesmo que na sua
perspetiva nem tudo o que se produz em economia possa aspirar a essa projeção. Romer
parte da sua distinção entre política e ciência: a primeira não conduz nunca a
consensos alargados e estimula os que nela participam a exacerbar o não
consenso entre fações; a segunda, pelo contrário, gera consensos sobretudo com
base nas relações apertadas entre o uso de palavras provenientes da linguagem
natural e de símbolos da linguagem formal da matemática. Tenhamos por isso em
vista que Romer considera como muitos outros que a economia só pode aspirar a
projetar-se na ciência através do rigor analítico da matemática, mas em que o
rigor da utilização da linguagem formal da matemática não deve perder de vista
a sua conexão com as grandezas empíricas da realidade. Assim, segundo Romer
haverá utilização rigorosa da matemática, também podendo existir utilização dessa
linguagem com menosprezo da relação rigorosa com as categorias empíricas da
realidade. É a esta deriva da utilização da matemática que Romer designa de “Mathiness”
e quando isso acontece a ciência económica entra na indeterminação da política.
Sugestivo sem dúvida, mas mais sugestivo e inspirador ainda, quando Romer
aplica essa argumentação ao tema desenvolvido na entrevista ao jornal de
Hong-Kong agora com as roupagens de um artigo científico.
A ideia central do pensamento de Romer, recordemo-la as vezes que for
necessário, consiste no entendimento das ideias como um bem não rival, algo que
permite assim a sua utilização em simultâneo num volume infinito e apenas
dependente da capacidade tecnológica de produzir o artefacto que materializa o
imaterial da ideia geradora de valor económico. Ora, ao reconhecermos a não
rivalidade, não podemos ignorar os efeitos de escala que isso potencia. Há uns
anos atrás os telemóveis não existiam, porque não existia a ideia que os tornou
possíveis. Hoje, a escala de produção desse bem é praticamente infinita. Mas ao
reconhecerem a existência dos efeitos de escala, isto é a capacidade de reduzir
infinitamente o custo unitário da ideia que viabilizou o aparecimento dos telemóveis,
alguns economistas, com Romer à cabeça mas não sozinho, compreenderam que para
atingir a modelização científica a que aspiravam tinham de pensar em termos de
concorrência monopolista e não em termos de concorrência perfeita. Pensando em concorrência
monopolista e admitindo que a ideia produzida seria parcialmente excluível por
outros, esses economistas compreenderam que resolviam um problema fundamental,
como remunerar o autor da ideia. E esta questão é crucial: como é que seria
possível na vida prática estimular as pessoas a inovarem e a serem criativas
produzindo novas ideias se não fossem remuneradas por isso? Total
impossibilidade. Remunerar o autor da ideia não significa que essa ideia não
possa ser depois disseminada e servir a sociedade. Mas essa disseminação é
feita sob a forma de um novo produto ou de um novo processo e será a partir da
sua materialização económica que os concorrentes poderão replicá-la,
melhorando-a, também remunerados por isso. E ser remunerado é ser price-maker e não price
taker, entendamo-nos.
Ora o que Romer designa depreciativamente (eu chamava-lhe piores coisas) de
tradicionalistas sempre forçaram o seu poder de influência no mainstream das universidades para
modelizar as ideias e a sua geração de valor em ambientes de concorrência
perfeita, isto é, com produtores económicos price-takers.
E fazem-no com o recurso à linguagem matemática, aspirando por isso à pretensa
cientificidade. Mas ao fazê-lo geram um mundo afastado do mundo real, não
remunerando os autores das ideias, condenando-os a uma espécie de valor social.
O uso nesta questão da “mathiness” é pernicioso, porque colocou a teoria do
crescimento económico nos braços da “política académica”, na qual não há
consenso possível e por isso não há progresso da ciência. Daí a estagnação da
ciência.
O argumento de Romer é apaixonante sobretudo porque nos coloca diante da
evidência de que ainda hoje uma grande parte da formação académica de base é
realizada como se os estudantes de economia fossem trabalhar num mundo em que
os autores das ideias não são remunerados. Pura esquizofrenia e apenas o
resultado de uma relação de poder. Aliás, para não ir mais longe, grande parte
dessa formação económica de base é realizada num mundo de pressupostos em que
na função de produção que representa a tecnologia não há lugar para o empresário.
O empresário está ausente do mainstream
neoclássico. E, ironia das ironias, esses jovens economistas que estudam em
modelos em que o empresário não existe, e está transformado numa máquina de
calcular de otimização, são os mesmos que pagarão rios e balúrdios de dinheiro
para frequentar MBA em que afinal alguém lhes diz que o empresário existe e que
alguém se esqueceu de o colocar nas funções de produção em que estudaram.
Loucura, exagero, politiquice? Não, a mais pura verdade e compreendo bem o
ataque de Romer na American Economic Association.
Em apêndice matemático de grande rigor, ou não seja Romer um engenheiro de
origem que se formou em Economia, ele demonstra que os efeitos de escala e a concorrência
monopolista podem ser modelizados.
Assunto vital para qualquer professor de mente aberta que esteja a formar
estudantes em Economia.
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