domingo, 10 de maio de 2015

ÁGUA(S)


Está instalada uma enorme confusão, em algumas zonas do País, a respeito da decisão de reestruturar o grupo Águas de Portugal (AdP) através de uma fusão dos atuais 19 sistemas de distribuição de água em apenas 5 entidades, agregando interior e litoral. Algum tempo atrás, o ministrinho da tutela tinha sumarizado assim as suas razões: “harmonizar tarifas entre interior e litoral, dotar o setor de sustentabilidade económico-financeira, reduzir perdas e ainda ter capacidade para fazer 3 mil e 700 milhões de euros de investimento sustentável nos próximos anos”.

Como não leio habitualmente o “Correio da Manhã”, foi com agrado que recebi de mão amiga uma crónica recente (“A meter água”) do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, em que este se pronunciava muito criticamente sobre a matéria, que enquadrava deste modo: “Doravante, os quatro sistemas de abastecimento de água em alta (que fornecem os municípios) na Região Norte estarão fundidos numa única empresa”. Reproduzo de seguida a dita crónica, com a devida vénia ao seu autor.

“O Governo, fazendo tábua rasa da opinião e desprezando os direitos históricos e societários dos municípios que foram seus parceiros na Águas do Douro e Paiva, resolveu, à pressa, extinguir a empresa. Doravante, os quatro sistemas de abastecimento de água em alta (que fornecem os municípios) na Região Norte estarão fundidos numa única empresa. A pressa foi tão grande que o Conselho de Ministros ocorreu no dia e na hora em que se realizava a Assembleia Geral da Águas do Douro e Paiva, convocada com um único objetivo – discutir a fusão das empresas. A pressa foi ainda maior, pois o parecer da entidade reguladora do setor, solicitado à última hora, conclui que uma avaliação completa carecia do conhecimento dos contratos de concessão e dos estudos económicos que o suportam, os quais não lhe foram fornecidos. Invocar a solidariedade territorial entre o litoral e o interior é uma desculpa pífia. Desde logo porque essa solidariedade deve ser assumida pelo Estado central e não pode ser alijada nos municípios. Mas a realidade é que há muitos sistemas mal concebidos, deficitários e insustentáveis e muitos municípios que não pagam a água. Esta não é a realidade da Águas do Douro e Paiva. É mais fácil pôr parte dos cidadãos (no caso os do litoral) a pagar erros alheios, dos quais não têm culpa nenhuma, do que fazer uma verdadeira restruturação e corrigir o que está mal. A ideia de que pondo os munícipes do litoral a pagar mais os do interior pagarão menos é um truque que não conduz à eficiência e que fica mal a quem nos governa. No Porto, mas não só, o preço da água para o consumidor (apesar de aceitável) reflete já a recuperação dos custos de todo o sistema de distribuição. Os concelhos onde estes custos não são atualmente recuperados (quase todos no interior do país) terão aumentos ainda maiores do que no litoral. Só não será assim se a ideia do Governo for a de quem já paga, pague ainda mais, e a de quem já não paga, continue sem pagar. E isso, é claro, não se confessa em ano de eleições, em que também não é conveniente dizer que tudo isto tem a privatização em pano de fundo.”


Os casos são mais que muitos num assunto que tem muito que se lhe diga e é mais um daqueles que um dia servirá de bom exemplo demonstrativo da multiplicação das nossas desgraças em tempos de democracia. A subordinação do poder económico, a prevalência dos interesses, a captura dos partidos, a incompetência dos políticos, o balanço dos “arcos da governação” e por aí fora. No caso vertente, temos variadíssimo pano para demasiadas mangas. Mangas onde cabe quase tudo, de Sócrates a Durão/Santana e novamente a Sócrates, do IPE à AdP, da Caixa ao BES, dos parceiros europeus aos seus maiorais e ainda, obviamente, um infindável número de responsáveis autárquicos e de barões e dignitários locais. Será por isso que ninguém neste PS declaradamente opositor a Passos, Marco António e Moreira da Silva pega devidamente na substância política desta tão relevante matéria?

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