(Shenzhen)
Em post anterior, trouxe para o
debate neste blogue o aparentemente ressurgido Paul Romer, economista americano
que trouxe à teoria do crescimento económico o filão da economia das ideias e
dos mercados de concorrência monopolista. Os anos 80 e os anos 90 foram anos de
grande produção teórica em matéria de crescimento endógeno, movimentou no qual
Romer teve um inequívoco protagonismo, ao qual sucedeu um aparente apagamento
do assunto, pelo menos em termos de aparecimento de modelos marcantes da trajetória
evolutiva do pensamento nesta matéria.
Como referi no meu último post sobre a matéria, a esse apagamento da teoria
do crescimento endógeno correspondeu a passagem de Romer para outras
atividades, essencialmente focadas no estudo da urbanização e no seu projeto
das Charter Cities como forma das economias com
grande potencial de acomodação de população interessada em ter uma implantação
urbana introduzirem reformas de governo, de resposta às mudanças climáticas e
outars do tipo que é praticamente impossível assegurar em discussão e concertação
com os interesses estabelecidos.
Romer dá conta no seu blogue de uma importante entrevista concedida a um jornal de Hong-Kong numa das suas últimas viagens pelo continente asiático para
promover o seu conceito de Charter Cities
e os serviços do Urbanization Project da New
York Stern University em que trabalha. O que me atraiu nessa entrevista é o
facto de pela primeira vez Romer relacionar o seu trabalho intelectual atual,
as questões da urbanização e das Charter Cities,
com o aparente apagamento da teoria do crescimento endógeno de que ele próprio
foi um relevante protagonista e agitador de ideias.
Romer tem carradas de razão quando traz para o debate o principal alcance
da sua própria descoberta em torno da economia das ideias, alcance revolucionário
que justifica a dificuldade em implicar transversalmente a teoria económica. Introduzir
as ideias como fator de produção e bem económico não rival, isto é, passível de
ser utilizado simultaneamente por um número potencialmente infinito de pessoas,
significará sempre a possibilidade de alguém controlar essa ideia, exercendo um
poder parcial que seja de monopólio sobre a mesma. É que o conceito de ideia
como bem económico considera a sua não rivalidade mas também a sua potencial
exclusividade parcial, isto é, é possível através do investimento numa patente
controlar, legalmente diga-se, a sua utilização e assim potenciar escalas de
produção realizadas com essa mesma ideia. Ora, este mundo é um universo económico
dos rendimentos crescentes, das economias de escala, da concorrência
monopolista e de atores económicos que são “price-makers”
e não “price-takers”. Romer
insurge-se assim contra curiosamente a Escola em que realizou a sua formação
inicial, Chicago, e sobretudo com a tendência para que a modelização em
economia seja realizada sempre com o pressuposto contrário da concorrência
perfeita e do universo dos price-takers.
Este é um caso típico em que a economia dominante, pretensamente alicerçada no
caso geral que afinal é um caso especial, resiste à introdução de novas ideias
e à necessidade de tudo ser repensado em função da concorrência monopolista.
Sabemos que o grau em que uma ideia pode ser controlada por um poder de
mercado não pode ser absoluto. Mas o empreendedorismo “start-up”
estruturado em torno de uma nova ideia geradora de valor económico não pode
deixar de ter um incentivo económico que não pode deixar de ser um lucro
supranormal durante o tempo suficiente para remunerar o investimento na criação
e na produção da ideia. Caberá aos poderes públicos regular cuidadosamente esse
grau de monopólio de maneira a gerar tão cedo quanto o possível a disseminação dessa
ideia e, concomitantemente, a possibilidade de uma nova ideia, melhor do que a
primeira, tomar o seu lugar e concorrendo com a primeira. Numa economia de price-takers e de concorrência perfeita,
como é que se remunera a descoberta da ideia e a sua transformação em valor económico
que, frequentemente, dura cinco anos e mais? É um Romer algo desiludido que
coloca o mainstream económico do lado
errado do progresso das ideias, cerceando a inovação que a economia de concorrência
monopolista, a economia dos price-makers
e dos mark-up’s sobre os custos de
produção poderia ter explorado acaso não houvesse essa resistência. Bradford DeLong junta-se ao coro e pega-lhe por outro ângulo, a má influência que essa
resistência provocou em termos de amolecimento da legislação anti-trust e do
controlo sobre os modelos de crescimento rentistas que proliferam sobre a
economia. Não são os mesmos que rejeitam a disseminação da economia de concorrência
monopolista que depois hipocritamente se insurgem contra o crescimento rentista
de empresas como a EDP, a PT e outros gigantes à modesta escala nacional?
Curiosamente, Romer dá uma outra explicação para o aparente apagamento da
teoria do crescimento endógeno, agitada pelo tema revolucionário da economia
das ideias. E vai buscar o seu criticismo a uma distinção inovadora do
crescimento e do desenvolvimento económico. Romer situa o crescimento económico
no progresso da fronteira tecnológica, ou seja, no universo dos países que
fazem pelas ideias económicas movimentar a fronteira tecnológica. O
desenvolvimento económico é, pelo contrário, o universo do crescimento de “catching-up”, o crescimento dos seguidores que
utilizam a disseminação do progresso tecnológico que outros produzem. E,
segundo Romer, o crescimento endógeno privilegiou excessivamente a primeira
dimensão e subestimou a segunda, que é globalmente a origem do êxito das
economias emergentes. Recorda-se que um dos artigos cruciais de Romer tem por
base a diferença essencial entre “producing ideas
and using ideas”. Uma questão de coerência.
A outra parte da entrevista tem que ver com as Charter Cities e com a
surpreendente afirmação de que Deng Xiaoping com o seu projeto de construção de
raiz da cidade de Shenzhen foi na prática um utilizador do conceito de Charter
City: “Uma zona de reformas à escala de uma cidade
em que uma cidade start-up pode emergir.” O êxito da experiência
de Shenzhen permitiu a Deng Xiaoping obter efeitos de demonstração cruciais
para justificar o alcance das suas reformas económicas que teriam sido impossíveis
de implantar sem essa perspetiva de reforma e start-up city associada.
E esta, que tal?
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