domingo, 10 de maio de 2015

PAUL ROMER AGAIN

(Shenzhen)


Em post anterior, trouxe para o debate neste blogue o aparentemente ressurgido Paul Romer, economista americano que trouxe à teoria do crescimento económico o filão da economia das ideias e dos mercados de concorrência monopolista. Os anos 80 e os anos 90 foram anos de grande produção teórica em matéria de crescimento endógeno, movimentou no qual Romer teve um inequívoco protagonismo, ao qual sucedeu um aparente apagamento do assunto, pelo menos em termos de aparecimento de modelos marcantes da trajetória evolutiva do pensamento nesta matéria.

Como referi no meu último post sobre a matéria, a esse apagamento da teoria do crescimento endógeno correspondeu a passagem de Romer para outras atividades, essencialmente focadas no estudo da urbanização e no seu projeto das Charter Cities como forma das economias com grande potencial de acomodação de população interessada em ter uma implantação urbana introduzirem reformas de governo, de resposta às mudanças climáticas e outars do tipo que é praticamente impossível assegurar em discussão e concertação com os interesses estabelecidos.

Romer dá conta no seu blogue de uma importante entrevista concedida a um jornal de Hong-Kong numa das suas últimas viagens pelo continente asiático para promover o seu conceito de Charter Cities e os serviços do Urbanization Project da New York Stern University em que trabalha. O que me atraiu nessa entrevista é o facto de pela primeira vez Romer relacionar o seu trabalho intelectual atual, as questões da urbanização e das Charter Cities, com o aparente apagamento da teoria do crescimento endógeno de que ele próprio foi um relevante protagonista e agitador de ideias.

Romer tem carradas de razão quando traz para o debate o principal alcance da sua própria descoberta em torno da economia das ideias, alcance revolucionário que justifica a dificuldade em implicar transversalmente a teoria económica. Introduzir as ideias como fator de produção e bem económico não rival, isto é, passível de ser utilizado simultaneamente por um número potencialmente infinito de pessoas, significará sempre a possibilidade de alguém controlar essa ideia, exercendo um poder parcial que seja de monopólio sobre a mesma. É que o conceito de ideia como bem económico considera a sua não rivalidade mas também a sua potencial exclusividade parcial, isto é, é possível através do investimento numa patente controlar, legalmente diga-se, a sua utilização e assim potenciar escalas de produção realizadas com essa mesma ideia. Ora, este mundo é um universo económico dos rendimentos crescentes, das economias de escala, da concorrência monopolista e de atores económicos que são “price-makers” e não “price-takers”. Romer insurge-se assim contra curiosamente a Escola em que realizou a sua formação inicial, Chicago, e sobretudo com a tendência para que a modelização em economia seja realizada sempre com o pressuposto contrário da concorrência perfeita e do universo dos price-takers. Este é um caso típico em que a economia dominante, pretensamente alicerçada no caso geral que afinal é um caso especial, resiste à introdução de novas ideias e à necessidade de tudo ser repensado em função da concorrência monopolista.

Sabemos que o grau em que uma ideia pode ser controlada por um poder de mercado não pode ser absoluto. Mas o empreendedorismo “start-up” estruturado em torno de uma nova ideia geradora de valor económico não pode deixar de ter um incentivo económico que não pode deixar de ser um lucro supranormal durante o tempo suficiente para remunerar o investimento na criação e na produção da ideia. Caberá aos poderes públicos regular cuidadosamente esse grau de monopólio de maneira a gerar tão cedo quanto o possível a disseminação dessa ideia e, concomitantemente, a possibilidade de uma nova ideia, melhor do que a primeira, tomar o seu lugar e concorrendo com a primeira. Numa economia de price-takers e de concorrência perfeita, como é que se remunera a descoberta da ideia e a sua transformação em valor económico que, frequentemente, dura cinco anos e mais? É um Romer algo desiludido que coloca o mainstream económico do lado errado do progresso das ideias, cerceando a inovação que a economia de concorrência monopolista, a economia dos price-makers e dos mark-up’s sobre os custos de produção poderia ter explorado acaso não houvesse essa resistência. Bradford DeLong junta-se ao coro e pega-lhe por outro ângulo, a má influência que essa resistência provocou em termos de amolecimento da legislação anti-trust e do controlo sobre os modelos de crescimento rentistas que proliferam sobre a economia. Não são os mesmos que rejeitam a disseminação da economia de concorrência monopolista que depois hipocritamente se insurgem contra o crescimento rentista de empresas como a EDP, a PT e outros gigantes à modesta escala nacional?

Curiosamente, Romer dá uma outra explicação para o aparente apagamento da teoria do crescimento endógeno, agitada pelo tema revolucionário da economia das ideias. E vai buscar o seu criticismo a uma distinção inovadora do crescimento e do desenvolvimento económico. Romer situa o crescimento económico no progresso da fronteira tecnológica, ou seja, no universo dos países que fazem pelas ideias económicas movimentar a fronteira tecnológica. O desenvolvimento económico é, pelo contrário, o universo do crescimento de “catching-up”, o crescimento dos seguidores que utilizam a disseminação do progresso tecnológico que outros produzem. E, segundo Romer, o crescimento endógeno privilegiou excessivamente a primeira dimensão e subestimou a segunda, que é globalmente a origem do êxito das economias emergentes. Recorda-se que um dos artigos cruciais de Romer tem por base a diferença essencial entre “producing ideas and using ideas”. Uma questão de coerência.


A outra parte da entrevista tem que ver com as Charter Cities e com a surpreendente afirmação de que Deng Xiaoping com o seu projeto de construção de raiz da cidade de Shenzhen foi na prática um utilizador do conceito de Charter City: “Uma zona de reformas à escala de uma cidade em que uma cidade start-up pode emergir.” O êxito da experiência de Shenzhen permitiu a Deng Xiaoping obter efeitos de demonstração cruciais para justificar o alcance das suas reformas económicas que teriam sido impossíveis de implantar sem essa perspetiva de reforma e start-up city associada.

E esta, que tal?

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