Chegou-me às mãos variada e recente documentação gráfica e analítica arrepiantemente reveladora do estado a que chegou a Grécia, entre culpas alheias e próprias.
Começo pelo primeiro gráfico abaixo, que contém aliás informação capaz de alimentar diversas e até opostas famílias de argumentos (inclusive a propósito de Portugal). É absolutamente extraordinária a comparação, numa base cumulativa desde 2008, dos cortes efetuados na despesa pública primária por diversos países resgatados – de facto, e uma vez mais, a austeridade infringida aos gregos (26,4% de redução) foi algo sem nenhum paralelo em quaisquer outras paragens e indicia que lhes aconteceu o mesmo que aos filhos mais velhos de pais brutalmente severos e ainda com o sangue na guelra.
Um outro tópico é o relativo à sustentabilidade da dívida pública (vejam-se sintetizados no gráfico seguinte os debt creating flows históricos e a óbvia parte de leão dos excedentes primários e do crescimento económico em termos de potencial de efeito cumulativo sobre a redução da dívida). No âmbito do excelente serviço que vai prestando a respeito da realidade política, económica e social na Grécia, ainda que sob subscrição, a “MacroPolis” divulgou elementos novos e clarificadores sobre a trajetória da dívida. Pegando na última análise de sustentabilidade realizada pelo FMI – que datava de meados de 2014 e assumia pressupostos hoje reconhecidamente otimistas em termos de excedentes primários (1,5% em 2014, 3% em 2015 e acima de 4% desse ano em diante e até 2022) e de dinâmica de crescimento económico nominal (atingindo 4,9% em 2016 e 5,4% em 2019) e receitas de privatizações (sempre acima de 1% do PIB adicionais) –, aqueles especialistas refizeram agora os cálculos com base nas previsões oficiais da Comissão Europeia para 2015 e 2016 (mas ainda assumindo um crescimento estável de 3,5% subsequentemente) e em cenários de receitas de privatizações um pouco abaixo de 1% do PIB e de um excedente primário continuadamente limitado a 1,5%, chegando deste modo à conclusão de que o respetivo efeito conjugado sobre a dívida assim poderia levá-la a ascender a 154,5% do PIB em 2022 (bem acima dos 120% exigidos pelo FMI). Em suma, não apenas se torna claro o motivo pelo qual Paul Thomson e outros técnicos do FMI se assustaram e mostraram vontade de abandonar o barco como também se volta a colocar em cima da mesa a questão da inevitabilidade de uma reestruturação da dívida.
Sigo com um breve apontamento sobre a difícil situação com que se vão debatendo os bancos gregos. Com efeito, durante a fase de incerteza pré-Syriza e os tempos imediatamente seguintes à posse do novo governo, eles voltaram a sofrer um decréscimo acentuado dos seus depósitos e em termos de acesso ao funding interbancário (gráficos seguintes), problemas que têm vindo a ser compensados através de um aumento do recurso ao banco central, leia-se a um Eurosistema de que se acabaram por tornar enormemente dependentes. Uma situação que é obviamente insustentável numa perspetiva de médio/longo prazo.
(Eric Dor, http://www.ieseg.fr)
Passo agora às preocupantes indicações provenientes de um trabalho assinado por um professor da “The John Hopkins University”, Steve H. Hanke de seu nome, e sintomaticamente intitulado “Yet Another Greek Secret: The Case of Phantom Assets” (quadros abaixo). Ativos fantasmas, portanto. De que se trata? Da aplicação pelo autor aos quatro maiores bancos gregos (representativos de 88% do respetivo sistema bancário) de um designado “rácio de Texas” (correspondente ao quociente entre o book value da totalidade dos ativos em situação de incumprimento e o capital social adicionado das provisões por perdas) a partir de uma investigação que o levou à grave conclusão de que aqueles bancos consideram nas suas contas como parte do capital os ativos por impostos diferidos (são estes os tais ativos fantasmas) e de que eles ascendem a um elevado nível de significância (entre 38% e 62% do capital total). E, deste modo, ajustando o “rácio de Texas” desta prática acabam por surgir evidenciados níveis elevadíssimos de risco por parte das referidas entidades bancárias.
Termino voltando-me para Berlim, onde parece que cresce a insistência das elites políticas em encolherem os ombros em relação à eventualidade de uma saída grega do Euro (“Grexit”), coisa que alguns até já aplaudem mais ou menos publicamente em linha de consonância com a do tão autoritário quanto irritável Schäuble. Mas vai havendo por lá quem tenha o bom senso de deixar alguns avisos quanto aos perigos de tais pouco inteligentes posições, como é o caso do comentário a que abaixo aludo acerca de miscalculations nessa matéria. Porque, mesmo que um abandono grego pudesse produzir efeitos positivos por via do regresso da possibilidade de recurso a uma desvalorização da moeda (o que se ilustra com o exemplo da Argentina) e que se aceitasse que o crescimento económico argentino ou grego de algum modo pudesse funcionar como uma proxy adequada para postular que estariam criadas as condições de partida para o relançamento de uma nova vida (o que é tudo menos pacífico), ainda restariam as questões que o comentário do “European Council on Foreign Relations” assim enuncia: “O que pensam que acontecerá aos populistas eurocéticos no resto da Zona Euro se a economia grega recuperar dentro do ano seguinte a uma Grexit? E se uma tal saída da Zona Euro deixar de inspirar medo entre os países periféricos, como convencer os mercados financeiros de que uma Grexit era para a Grécia e só para a Grécia?”.
E tudo isto sem deliberadamente se fazer qualquer alusão às negociações governamentais com o “Grupo de Bruxelas”, aos seus avanços e recuos, à multiplicação de chantagens e provocações, às “reformas estruturais” exigidas por uns e aos compromissos declarados por outros, aos pagamentos que vão sendo feitos aos credores e às “linhas vermelhas” que vão sendo traçadas/ultrapassadas. Isso porque cada macaco no seu galho e, as mais das vezes, essas referências são altamente especulativas e constituem-se em pequenas intrigas para alimento do obrigatório ruído de cada dia...
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