O 1º de Maio em liberdade (1974) vivi-o paradoxalmente
entre os muros do quartel do Lumiar (Administração Militar), todos de serviço,
dada a dimensão imprevisível do movimento popular que se anunciava para aquele
dia, aliás como veio a confirmar-se numa Lisboa que fervilhava de fervor democrático
e revolucionário. Dos muros do Lumiar pressentia-se lá fora na Cidade Grande um
fervor inusitado. De tarde e após o almoço o Lumiar foi positivamente invadido
por uma família de escritores, a memória enfraquecida recorda-me a presença de
Mário Castrim, Alice Vieira, José Cardoso Pires e outros que se me varreram da
ideia e sobretudo um ambiente indescritível que talvez não se tenha repetido
nenhuma outra vez em qualquer outra unidade militar. Talvez tivesse trocado
esse ambiente irrepetível pela possibilidade de deambular sozinho pelas praças
de Lisboa, no estatuto de participante acidental que irredutivelmente tem dificuldade
de se misturar e fundir com as massas. Mas essa foi a memória do primeiro 1º de
maio em liberdade.
Hoje, num 1º de maio atlântico e irritantemente húmido, há
finalmente tempo para ouvir de uma assentada o Romance (s) de Aldina Duarte,
Maria do Rosário Pedreira e Pedro Gonçalves, um disco que confirma o que já
intuía em post anterior, que constitui um marco incontornável nas relações do
fado com a poesia. Um disco que, com a arte de Maria do Rosário Pedreira, conta
a história muito fadista de um triângulo amoroso, duas amigas, ela morena, ela
loura, e ele, que acaba com ele sozinho e a amizade entre as duas recuperada,
fechando com uma faixa 14, uma sublime arte do fado que faz a síntese da história.
E que tem a particularidade de um segundo disco, arte de Pedro Gonçalves, em
que os temas são revisitados numa espécie de banda sonora de um filme, cuja
trama foi desenvolvida no primeiro disco. Surpreendente pela coragem inovadora
do trio, em que a voz de Aldina dá vida ao equilíbrio de Rosário Pedreira e à
inventiva de Pedro Gonçalves.
E já agora a certeza de que Vasco Pulido Valente (VPV)
envelhece numa espécie de líquido formol-veneno gerado pela sua própria
frustração. A desajeitada maneira como na sua crónica de hoje no Público pretende
apoucar as figuras de António Nóvoa e Jorge Sampaio é trágica e produto de uma
frustração estrutural, que talvez fosse melhor partilhar com a sua própria
solidão e não com os seus leitores. Há personagens que se apagam na transformação
das sociedades. Que desapareçam em paz.
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