(O meu colega de blogue tem dedicado a atenção pertinente a esta perceção ou evidência do que se vai passando efetivamente na economia portuguesa, sobretudo em torno do significado das exportações totais terem ultrapassado os 50%. O tema é riquíssimo e por isso me atrevo a tentar honrar os valiosos avanços já conseguidos, procurando contribuir para a interpretação do tempo e formas de evolução que vivemos. O meu ponto é que o chamado coeficiente ou rácio de extroversão, medido pelo peso das exportações totais no PIB, nos dá importantes elementos de evidência sobre o padrão de afetação de recursos instalado na economia portuguesa. Porém, tal como resulta do post do meu colega do lado, para compreender se a evolução observada corresponde a uma melhoria significativa dos níveis de eficiência dinâmica de toda a economia, será necessário captar novas evidências e de outro tipo, até porque o que procuramos dificilmente se deteta nas chamadas médias estatísticas. Apreender a mudança em economia sempre representou um desafio metodológico de grandes proporções. Não dispomos em Portugal de observatórios ou sistemas de informação que acompanhem regularmente uma massa representativa de empresas que possam estar a fazer a diferença e daí intuir o seu potencial de disseminação à restante economia, conhecidos que fossem os principais mecanismos de articulação dessas empresas com a economia.)
Sim, é verdade que a ultrapassagem dos 50% de exportações no PIB nos traz sempre a velha interrogação do “mas é o turismo”, mas se a memória e a informação não me falham não é muito comum termos indicadores do rácio de extroversão para outros países que expurguem o rácio do peso do turismo. Assim sendo, muitos dos países com que nos comparamos, apresentam valores em que o turismo está também representado, pelo que a interrogação do “mas é o turismo” acaba por não ser muito consequente em termos de resposta à questão central, o que está verdadeiramente a mudar.
Avançando por fases, diria que o rácio da extroversão nos diz pelo menos que a economia portuguesa está solidamente a abandonar o padrão de alocação de recursos em que o investimento privado e o público se orientavam para uma bolha de bens não transacionáveis, com intervenção direta do sistema de crédito bancário nessa deriva. Do ponto de vista global, isso são boas notícias porque sabemos que esse padrão de alocação de recursos conduziu a economia portuguesa à exaustão e insustentabilidade do modelo de crescimento, que a crise das dívidas soberanas veio apenas confirmar que estava em curso. Por conseguinte, se os transacionáveis comandam agora a alocação de recursos são boas notícias, sobretudo porque existe uma regularidade em economia que não pode ser ignorada: os processos de inovação em ecossistemas abertos ao exterior e preparados para enfrentar a concorrência internacional tendem a ser mais consistentes e sustentados.
Mas a evolução positiva do rácio de extroversão da economia portuguesa deve ser apenas considerada uma condição necessária de trajetórias mais consistentes de especialização produtiva nacional.
Mas o que é que efetivamente estará a acontecer em termos de mudança empresarial?
Seguindo o caminho das pedras das médias estatísticas, há muita gente que se deprime facilmente com a medida da referida evolução realizada por indicadores como “peso das exportações de alta e média tecnologia” em contraponto ao do “peso de exportações com baixa tecnologia”. Não costumo ir por aí. Creio que para o momento de evolução da estrutura produtiva nacional esses indicadores não dizem rigorosamente nada face ao que pretendemos atingir. São indicadores rígidos que se limitam a agregar ramos de atividade por critérios tecnológicos definidos a priori e sem relação com a natureza concretas das empresas. Esta classificação desvaloriza, por exemplo, plenamente, a profunda mudança tecnológica observada, por exemplo, nos setores têxtil, vestuário e calçado, cunhados à partida com o ferrete da baixa tecnologia.
Por isso, opto por outras abordagens. É muito provável que existam observadores melhor situados do que eu para impressivamente e fruto do seu conhecimento de empresas concretas poder avaliar melhor o sentido e intensidade das mudanças em curso.
Cá por mim, tenho dedicado especial atenção ao que pode ser inferido das candidaturas das empresas portuguesas aos instrumentos de política pública de inovação e de apoio ao desenvolvimento tecnológico e internacionalização. Trata-se, obviamente, de uma simples amostra de empresas, que não sabemos quantificar bem em termos do peso que elas representam na estrutura produtiva global. É o velho problema da pedra no lago. Complementarmente, não temos ainda bem estudado o modo como estas empresas apoiadas, aparentemente com êxito, olhando sobretudo para os valores antes e depois dos projetos concretizados. O modelo de relações de subcontratação que o grupo Auto-Europa mantém com um tecido amplo de fornecedores de componentes e outros dispositivos presentes numa viatura moderna está bem estudado, mostra uma rede de influência praticamente nacional, mas não é decididamente o único. Por exemplo, empresas como o grupo BOSCH em Braga e a Continental Mabor em Vila Nova de Famalicão certamente desenvolvem outros modelos de subcontratação que, segundo o meu conhecimento, não estão ainda estudados ao nível do da Auto-Europa. E há seguramente outras modalidades de disseminação do conhecimento-inovação que as “empresas estrelas” dos sistemas de incentivos estão a favorecer. Designadamente, por exemplo, a disseminação realizada através da mão-de-obra qualificada e quadros superiores que vão rodando entre empresas é uma via interessante de disseminação de conhecimento, sobretudo em territórios em que o tecido empresarial é denso. Mas haverá ainda outras formas de disseminação que passam pela socialização dos próximos empresários.
Resumindo, analisando a reatividade das empresas aos instrumentos de política pública, tenho vindo a apreender, pelo menos em alguns territórios que acolhem sistemas de inovação com um elevado potencial, que a mudança está a acontecer para alguns. Nesses alguns, estão mudanças nos setores de especialização histórica nacional e regional, mas também sinais de diversificação. Mas não posso atravessar-me, entretanto, pelo que essa mudança poderá representar em termos de extrapolação para a restante estrutura produtiva. Existem riscos de um dualismo mais aprofundado e, como sabemos, quando esse dualismo se intensifica as tais médias estagnam de modo exasperante.
Mas tenho uma reserva ao que tenho observado. A massa crítica das “empresas estrela” é ainda diminuta, por vezes temos a sensação de que são sempre as mesmas e, entre elas, destacam-se obviamente as que representam investimento direto estrangeiro estruturante. Por isso, gostaria de ver a estratégia nacional de atração de investimento direto estrangeiro estruturante mais conectada com os ecossistemas de inovação mais relevantes do território continental. Por vezes, não é fácil compreender por que rumos estratégicos a AICEP se orienta. É necessário aumentar as massas críticas de impulso de mudança, para assim podermos esperar mais efeitos de disseminação. Além disso, tudo isto leva tempo, é frágil, e qualquer guinada das cadeias de valor à escala mundial podem abalar estes processos considerados promissores.
Mas a mensagem é esta: nesta fase de mudança em que a economia portuguesa se encontra, cavar mais fundo na evolução positiva do seu rácio de extroversão, fazendo-o apenas com recurso a indicadores estatísticos, sem aprofundar o conhecimento das empresas concretas que estão a protagonizar as mudanças mais promissoras tem riscos altos de insucesso. E convém não ignorar outra coisa: os outros (os concorrentes) também se mexem e, certamente, com menos peso de constrangimentos e inércias.
O acordo com o meu colega de blogue é pleno: por aqui passará muito do positivo ou dececionante que possamos associar ao desempenho da economia portuguesa.
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