quarta-feira, 28 de junho de 2023

O REGRESSO DE RICHARD C. KOO

 


(Peço desculpa aos leitores menos fadados para seguir estas coisas da macroeconomia, mas vou prosseguir hoje no registo do meu último post de ontem, ou seja num registo talvez excessivamente técnico, ou wonkish, como dizem bloggers importantes da economia, como Krugman ou Lars P. Syll. Mas o tema da conflitualidade em economia, particularmente na macroeconomia, sempre foi um dos pilares deste blogue. Já com 74 anos e afastado das lides académicas, continuo a pensar que a baixa qualidade do debate em economia é lamentável, na academia e fora dela, não me resignando com tal situação. Nessa linha programática, trago de novo a este blogue as ideias fora da caixa de um economista, Richard C. Koo, presentemente economista-chefe do Nomura Research Institute. Em 2011, 2013, 2014 e 2022 tive oportunidade de convocar as suas ideias revolucionárias para o entendimento de famílias de recessões como a observada em 2008 e das recuperações relativamente agónicas que lhes sucedem e a relevância desse pensamento estende-se aos dias de hoje.)

O pensamento de Richard C. Koo entrou no radar das minhas leituras sobretudo através de uma sequência de obras marcantes. 

Em 2009, The Holy Grail of Macroeconomics (Wiley) explorava o que a grande recessão da economia japonesa nos oferecia em termos de ensinamento de novas abordagens macroeconómicas. Recordo que a economia japonesa se debateu durante longo tempo com um problema recessivo que costuma associar-se a um problema de armadilha de liquidez. Mergulhada em comportamentos profundamente arreigados na cultura japonesa, a economia mostrava-se incapaz de responder a toda a série de estímulos monetários e fiscais lançados pelo Banco Central do Japão e pela política fiscal do Governo.

Em 2015, depois de uma série de artigos marcantes, alguns deles publicados pelo próprio Nomura Institute, publicou talvez a sua obra mais conhecida, The Escape from Balance Sheet Recession and the Quantitative Easing Trap (Wiley). Com uns anos de distância da Grande Recessão de 2008, o economista americano de origem japonesa, consolidava a sua abordagem sobre essa Grande Recessão e sobre a incapacidade da macroeconomia mais tradicional a compreender.

Agora em 2022, Richard C. Koo volta à carga com a obra Pursued Economy, que é um desenvolvimento das teses da Balance Sheet Recession, com a particularidade de as estender ao período pandémico e pós-pandémico.

Projetando-me na questão central da Grande Recessão de 2008, repetidas vezes insisti neste blogue na ideia de que a incapacidade da macroeconomia de “mainstream” compreender essa recessão e as sequelas da crise das dívidas soberanas fora responsável por duas consequências, relacionadas, mas ambas trágicas: primeiro, contribuir para a degradação da afirmação social do pensamento dos macroeconomistas e, segundo, estar na base das dificuldades, hesitações e atropelos observados na gestão macroeconómica dessa crise, impondo às economias danos que poderiam ter sido evitados com outras abordagens de suporte.

Nesse contexto bastante complexo, Richard C. Koo representou uma das mais valiosas exceções a essa onda de má consciência e atavismo de ideias. Desafio-vos a procurar na imprensa económica nacional referências ao seu pensamento. Ficarão desapontados, o que não é mais do que o reverso da medalha por mim assinalada – a pobreza do debate das ideias económicas.

A abordagem de Koo é ela própria complexa e não é meu objetivo mobilizar este post para a sua apresentação. Ela ficou conhecida por “recessão das folhas de balanço” (balance sheet recession), individualizando assim a diferenciação do seu contributo.

A ideia central que subjaz ao seu argumento respeita ao comportamento das empresas e também das famílias em termos de recurso a empréstimos e ao crédito em geral. Ao contrário do que a macroeconomia mais convencional tende a admitir, as empresas não se encontram sempre em modo de maximização de lucros. Há momentos em que as empresas estão mobilizadas, pelo contrário, para a minimização de dívidas, recompondo os seus balanços, o que pode ocorrer após situações macroeconómicas mais traumáticas, como por exemplo as crises financeiras. Do mesmo modo, as famílias nem sempre se encontram em modo de recurso ao crédito para explorar as últimas novidades do consumo. Podem estar a recompor a sua estabilidade financeira, pagando dívidas ou retomando poupanças após uma diminuição, por exemplo, pandémica, de desbaratamento das suas poupanças para fazer face a quebras de rendimento. Se, por acaso ou ironia do destino, empresas e famílias estiverem ambas em modo de minimização de dívidas e reconstituição de poupanças, a economia enfrenta um risco fortíssimo de recessão, uma vez que a procura de crédito (borrowing) pode ser nula, apesar das taxas de juro serem convidativas ao endividamento. Obviamente, em períodos de rarefação de oportunidades de investimento suficiente lucrativas para compensar custos de crédito, a escassez de pedidos de crédito tende a penalizar ainda mais a situação.

Com esta abordagem muito simples, Richard C. Koo construiu uma das mais poderosas desmontagens críticas da austeridade para resolver os problemas sequenciais da Grande Recessão de 2008. Com empresas e famílias a tratar de reequilibrar as suas finanças e, por isso, a rebaixar pedidos de crédito, negar a intervenção do setor público como fator de compensação tem efeitos trágicos, como efetivamente foi observado.

A tabela seguinte procura evidenciar que há quatro situações possíveis, em que apenas duas delas correspondem à macroeconomia habitualmente praticada.

As situações 1 e 2 correspondem a contextos em que empresas e famílias estão respetivamente a maximizar lucros e níveis de consumo. Na situação 1 há oferta e procura de crédito. Na situação 2, existe pouca oferta de crédito mas existe procura. As situações 3 e 4 representam o que Koo designa da outra metade da macroeconomia, empresas e famílias estão a reconstituir as respetivas situações financeiras e não a maximizar lucros. Na situação 3, típica de uma recessão de balanço como a de 2008, há escassez de pedidos de crédito para a oferta disponível. Na situação 4, que Koo designa de recessão pandémica, oferta e procura de crédito estão ambas anémicas.

 

Quem procura crédito = investidores

Sim

Não

Quem oferece crédito = aforradores

Sim

1

3

Não

2

4

 

Mas resta perguntar: porquê a economia perseguida (pursued economy)? Isso terá de ficar para um post posterior.

 

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