(El País)
(As eleições gerais de 23 de julho que se avizinham em Espanha continuam a representar uma inesgotável fonte de desenvolvimentos analíticos relevantes para compreender os rumos da política contemporânea, até porque a Espanha não é um país qualquer. Tem dimensão, acolhe projetos latentes de nações dentro do Estado, não lhe falta protagonismo político e a história da Guerra Civil concede-lhe um lugar único na Europa. Numa trajetória política evolutiva em que a vitória da direita PP e VOX se afigura cada vez mais provável, com a interrogação apenas da dimensão da vitória e da repartição de votos entre as duas formações políticas, dá para discutir em que medida é compreensível a longa queda da esquerda, PSOE e o intratável universo à sua esquerda, num cenário macroeconómico global em que a Espanha sai claramente por cima.)
O editor de dados estatísticos Kiko Llaneras do El País é dos melhores profissionais que conheço neste domínio das sondagens e tratamento estatístico do voto popular, bem mais consistente do que o CIS espanhol, frequentemente acusado de viciar amostras para condicionar sondagens. A sua metodologia de cálculo de valores médios de sondagens a partir da vertigem de inquéritos que as eleições municipais e agora as eleições gerais em Espanha determinaram é um instrumento de trabalho muito útil para medir o pulso ao eleitorado espanhol nesta onda que a vitória da direita nas municipais e autonómicas parciais inequivocamente gerou. Só um “milagre” de última hora poderá impedir a vitória da direita agrupada ou simplesmente adicionada, como o gráfico anterior o mostra com clareza. Esse “milagre” tanto pode resultar de arrufos de última hora entre o PP e o VOX, do tipo ocorrido na Extremadura, já comentado neste blogue pelos seus dois autores, como de uma recuperação impensável à esquerda, que como é expectável não pode assentar em variações de partilha de eleitorado entre o PSOE e o SUMAR, mas antes de uma subida global da esquerda em geral. Mas acreditar em milagres em política custa regra geral caro e, por isso, o meu campo analítico parte do princípio de que a direita chegará à Moncloa, sabe-se lá em que condições e por quanto tempo.
É nesse contexto que importa relacionar a queda estrutural da esquerda com a situação macroeconómica global espanhola. Tendemos por vezes a exagerar a ideia de que uma “boa economia” condiciona em grande medida o voto popular, com a nuance conhecida, muito popular em Portugal nos últimos meses, de que nem sempre uma boa situação económica se transmite com clareza nos bolsos dos eleitores. Sabemos que em política económica existem “lags” consideráveis, que não podem ser ignorados. Por exemplo, qualquer sainete de política de redução de impostos (IRS, por exemplo) só bastante mais tarde se repercute nos bolsos dos eleitores.
Ora, a situação política espanhola fornece dados muito interessantes para se revisitar esta ideia de que a boa economia condiciona favoravelmente o voto de aprovação e tende a penalizar o de protesto. Aparentemente, nada disso estará a passar-se em Espanha.
Obviamente que esta matéria não podia escapar a um jornalista arguto e sempre perspicaz como Fernando Salgado da Voz de Galícia. A sua perspicácia vai ao ponto de gozar um pouco com o tabu de Feijoo em não indicar quem poderá ser o seu Ministro da Economia se o PP chegar ao poder. Fala-se que poderá ser o atual Governador do Banco de Espanha, Pablo Hernández de Cos, e nesse contexto tem graça analisar o que o Banco de Espanha diz da evolução da economia espanhola.
Após um crescimento de 5,5% em 2022, a Espanha continuará a crescer dois pontos percentuais e picos acima da média da União Europeia, pelo que quando o PP fala de estagnação económica o cidadão normal deve ficar um pouco baralhado, mais ainda que a taxa de desemprego está numa trajetória sustentada de descida.
Depois, a melhoria da competitividade espanhola no contexto europeu é flagrante, com a exportação a atuar como motor de crescimento, a par de moderação salarial e um padrão inflacionário cerca de 2 pontos percentuais inferior ao padrão europeu.
E o Banco de Espanha não tem qualquer hesitação quando indica a intervenção pública como o principal impulsionador desta dinâmica global.
Claro que há dimensões a merecer atenção adicional, tais como o endividamento espanhol, mas do ponto de vista dos grandes números a Espanha vive uma situação macroeconómica global muito folgada, que é difícil dissociar de um governo assente numa coligação “Frankenstein” e de vida difícil no seu quotidiano parlamentar.
Com esta situação macroeconómica global bastante folgada, a queda da esquerda responsável pela governação parece incontornável. O que pensar então? Cá para mim, isso mostra que a queda da esquerda assenta em determinantes puramente políticos que uma boa economia não tem conseguido compensar ou superar. A coligação PSOE-PODEMOS, acolitada por apoios pontuais do regionalismo independentista tem gerado dossiers que os sentimentos espanhóis mais profundos rejeitam, mesmo que mergulhados numa situação económica global muito favorável. O recuo do PODEMOS na coligação e a emergência do Sumar de Yolanda Diáz amenizou a situação mas não a resolveu definitivamente. O conservadorismo global do eleitorado espanhol beneficia a direita e parece reemergir em momentos como este, de barriga cheia, mas sensível aos seus traços sociológicos mais profundos.
E aqui é que me parece que o contraponto com a situação política portuguesa é interessante. Será que o eleitorado português pode seguir as pisadas do espanhol?
Mas a ideia central desta reflexão pode ser esta: não podemos exagerar a relação entre a boa economia e a política, frequentemente a política é fonte de impulsos endógenos que explicam as flutuações eleitorais, como se a boa economia fosse invisível e não influenciasse o voto.
Claro que as gentes e os meus amigos do PSOE estarão a fazer figas, esperando que me engane e que a boa economia acabe por condicionar o voto, reduzindo a intensidade do voto de protesto.
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