terça-feira, 20 de junho de 2023

A VERTIGEM DA INVESTIDURA EM BARCELONA

 


(Como foi aqui amplamente registado, as últimas eleições municipais em Espanha, completadas por algumas eleições autonómicas, trouxeram o esperado avanço da direita espanhola, mesmo que a aproximação entre o PP de Feijoo e a extrema-direita do VOX esteja longe de estar consolidada. O que parece estar claro é que se Feijoo precisar de algum acordo, não necessariamente coligação de governo, para entrar no Palácio de Moncla não hesitará em fazê-lo, até porque a corrente interna do PP animada por Ayuso tem feito trinta por uma linha para tornar essa opção inevitável. Porém, a geografia eleitoral resultante dessas eleições foi mais complexa do que parece à primeira vista e as chamadas investiduras municipais em que se decide quem governa o ayuntamiento trouxeram surpresas de última hora num frenesim de acordos em cima da linha da meta, facas nas costas, promessas quebradas, coelhos tirados da cartola, passes de mágica, uma confusão tamanha, que antecipa de certo modo o que teremos em Espanha nos próximos tempos, incluindo o depois das legislativas de 23 de julho.)

Desses arranjos de última hora houve exemplos para todos os gostos, gerando uma situação em que muita gente ganhou, mas também muita perdeu. Como simples exemplos, entre os mais badalados, temos Santiago de Compostela em que um acordo de última hora entre o Bloco Nacionalista Galego e forças políticas locais tiram da presidência do Ayuntamiento o PSOE galego e um dos líderes municipais mais equilibrados da Galiza. Em Valência, o acordo foi à direita e uma articulação de última hora entre o PP e o VOX retirou os socialistas e a esquerda da governação do município, com grande estrondo e ensinamentos futuros para o que o 23 de julho nos poderá trazer. Na Extremadura, o PSOE conseguiu manter a Presidência da Assembleia Regional, já que PP e VOX tiveram um desentendimento de última hora em torno do conceito de violência machista rejeitado pelo VOX. A candidata Blanca Martín do PSOE confessou não ter sequer discurso preparado para o discurso inicial da Assembleia, tal foi a viragem de última hora que permitiu ao PSOE manter a liderança apenas com maioria relativa. Novas eleições poderão estar no horizonte próximo.

Mas sem dúvida que a investidura mais picante foi a de Barcelona. Como se sabe, as eleições locais da Cidade foram fortemente disputadas, tendo o partido independentista Junts per Catalunya de Puigdemont (essa amálgama política que ninguém consegue verdadeiramente tipificar sociologicamente) sido a formação mais votada, liderada nessa eleição por um venerado Xavier Trias, seguido de perto do PSOE catalão, os independentistas da Esquerra Republicana e o partido da então alcaldesa Ada Colau. Com esta distribuição de deputados municipais, os dois partidos independentistas Junts e Esquerra, representados pelo septuagenário Trias e pelo octogenário Maragall concluíram um acordo que conduziria aparentemente sem problemas à liderança independentista da Câmara de Barcelona. Mas o candidato do PSOE catalão, Jaume Collboni revelou à última hora uma capacidade de negociação notável e conseguiu simplesmente esta preciosidade – concluiu um acordo com o PP e com o partido de Ada Colau En Comú, através do qual este último renegava a participar no poder municipal a nível de deputados municipais, conseguindo com essa condição sacar o acordo ao PP. Dizem os analistas, que o partido de Ada Colau imaginou que seria menos danoso para o projeto de Cidade que tem afirmado nos últimos tempos a presença do PSOE catalão no poder do que a liderança de Trias e de Junts, que ameaçara desmontar peça por peça o resultado da liderança de Colau.

Confusos? Não é para menos. Moral da história, o independentismo catalão viu-se, em cima da meta, afastado do poder municipal, o que manifestamente ilustra a sua perda de representatividade eleitoral. Tudo como se nos últimos cem metros da investidura se tivesse precipitado uma ultrapassagem que os independentistas pensavam ter controlado, olhando calmamente para trás. Afinal, os convidados que estavam presentes na cerimónia não souberam até à última quem iria ser investido como presidente do ayuntamiento. Chamem-lhe “política líquida” ou outra qualquer expressão da fragilidade que a polarização tem trazido à política espanhola, com o independentismo regionalista de permeio. A deceção nas hostes do Junts e da Esquerra era franca e generalizada. Fala-se que a geriatria do independentismo será abalada, já que Trias e Maragall irão provavelmente retirar-se para curtir as mágoas com um bom copo de rosé de Vila Franca de Penedès.

 

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