sexta-feira, 9 de junho de 2023

BIZARRERIES FROM WITWATERSRAND

 
(“O Cartoon de António”, https://expresso.pt) 

A sessão que juntou numa universidade de Joanesburgo (vulgarmente apelidada de Wits) os nossos Presidente da República e primeiro-ministro, afinal as duas figuras mais representativamente definidoras da imagem internacional do País, foi de um foro estranhíssimo, algures entre o abstruso, o patético e o infantil.

 

Por um lado, e num dos momentos da dita sessão, o “incontinente” Marcelo saiu-se com esta pérola de mau gosto e perfeitamente escusada: “Quando o primeiro-ministro era um estudante, foi meu aluno, com a idade de 19 anos. Já era inteligente, brilhante e pró-ativo, muito ativo. Estudava muito pouco, estava envolvido na política a maior parte do tempo. E tinha 17 em 20”, “o que é muito bom para alguém que não estudava nada”, não se eximiu a acrescentar. Pergunto: será que alguém consegue conceber a hipótese de um alto magistrado nacional de um qualquer país saudavelmente democrático vir provocar publicamente o chefe do executivo com uma cena desta tristérrima envergadura?

 

O segundo momento, que considero também infeliz embora por desigual razão de ser, é o da forma como o Presidente sintetizou a História de Portugal e a atual realidade do país aos estudantes sul-africanos. Falou de dimensão para referir que “Portugal só aparentemente é pequeno em tamanho”, quer para tal usando o estafado discurso de uma “maneira completamente diferente de ver Portugal” (por via da consideração do mar que temos sob nossa jurisdição) quer para tal sublinhando que “o território nacional tem 10 milhões, mas há 12 milhões de portugueses no exterior e que estão em todos os países do mundo” (portanto, “estamos em todo o lado”, já que “em cada continente há pelo menos um país onde se fala português” e que “o português é a segunda língua mais falada no hemisfério sul e a segunda no digital, depois do inglês e antes do espanhol”). A velha mania das grandezas ali esteve tão cabalmente interpretada por um Marcelo que bem melhor e mais capazmente teria estado se tivesse explicado aos presentes que Portugal é um país de média dimensão no enorme e original concerto europeu de 27 países de que é parte integrante.

 

Mas Marcelo não se ficou pela dimensão para colocar Portugal como uma realidade mundialmente única. Lembrou-nos como “o país europeu mais antigo, com quase 900 anos” (uma verdade mais retórica do que marcada por um atualmente escasso conteúdo substantivo no exterior). Apresentou-nos como inigualáveis a “enfrentar quatro desafios ao mesmo tempo” (“em 12 anos fizemos o que economias importantes europeias fizeram em 50 anos”, do fim de um império à transição democrática e desta às mudanças económicas e sociais subsequentes e à integração na Comunidade Económica Europeia ― e se não tivéssemos andado décadas a marcar passo e a contrariar os ventos da História?). E para continuar a puxar pelas grandezas nacionais optou por aspetos tão pífios (e duvidosos, factual e simbolicamente) quanto o de sermos organizadores da Web Summit (!) e possuirmos um número recorde de startups (a ponto de já termos oito “unicórnios”!), declarando-nos como “pioneiros na energia limpa” (cabe aqui desconto aos exageros) mas esquecendo-se totalmente de apontar pelo caminho alguma das muitas forças competitivas e diferenciadoras da nossa indústria ou da nossa ciência ou da nossa cultura. Peço imensa desculpa, mas aquilo de que me orgulho no meu País não coincide com aquilo que o Presidente ilustrativamente elege nem deve corresponder, aliás, a uma qualquer “banha da cobra” de caraterísticas ímpares, como historicamente a Corte (hoje profissionalmente complementada pelos seus maravilhosos marketeers) sempre foi insistindo em sobrelevar. Incorrigíveis que nós somos!

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