(Em tempos idos dos meus estudos preliminares sobre a globalização e o desenvolvimento económico mundial, éramos permanentemente confrontados com apelos a uma nova ordem económica internacional. Esses apelos obedeceram a impulsos diversos em tempos diferentes, desde o primado das firmas multinacionais até formas mais modernas de organização da economia mundial. A todos esses impulsos correspondia o tal apelo de uma nova ordem económica mundial. Os tempos de hoje são comandados por ventos diversos. O retorno de Putin à ilusão da Rússia imperial com os choques geopolíticos que provocou, as escaramuças entre os EUA e a China, ainda esta semana com o secretário de Estado Blinken a tentar compor os danos e a tentar impedir efeitos irreversíveis de azedumes evitáveis, a aproximação EUA-Índia, a movimentação de países como o Brasil de Lula, tudo isto nos convoca para novas perspetivas sobre a organização das forças na economia mundial. E se em vez de estratégias orientadas para a procura de novas ordens mundial, ou seja de novas regras e blocos, o mundo estivesse a caminhar para um ambiente declaradamente de desordem mundial? Nunca tinha pensado nisto, mas há quem reflita sobre isso e se incline até para pensar que é essa a perspetiva da China, agindo em função desse pressuposto.)
Tenho andado em processo de recolha de elementos que me permitam compreender melhor o modo como se prefigura a organização do mundo. Nada de muito estimulante consegui sistematizar, a não ser um artigo recente da prestigiada, e dirão alguns comprometida, Foreign Affairs, de autoria de Mark Leonard, Diretor do European Council on Foreign Relations.
O artigo é relevante, sobretudo porque raciocina fora da caixa e se coloca na perspetiva do mais imprevisível, o que para os tempos de hoje me agrada de sobremaneira.
O argumento de Leonard é que os EUA, comandando a política externa ocidental, continuam apostados em continuar a funcionar na base de uma ordem internacional baseada em regras, obviamente que as adaptando e permitindo que novos fatores sejam considerados. Com base nesse princípio geral, os EUA têm procurado reconstituir blocos e alianças suscetíveis de preservar os valores pressupostamente entendidos como “ocidentais”. Mas, por exemplo, se compararmos o número de países que subscreveu a declaração da ONU contra a invasão russa com o número de países que aderiram ao sofisticado conjunto de sanções económicas contra o invasor percebemos que há um desvio considerável. Como é óbvio, os EUA não escapam às dúvidas críticas de muitos países que consideram que os americanos aplicaram seletivamente e em seu favor esse tal conjunto de regras que associaram à ordem internacional. Por isso, o número de países, sobretudo entre os menos desenvolvidos e com maior potencial demográfico, que entre outras dimensões apresentam uma forte dependência do financiamento chinês e que não se associam claramente ao novo bloco de interesses e de valores que os EUA pretendem liderar pode considerar-se significativo.
Leonard pensa, pelo contrário, que a China parece disposta a aplicar uma espécie de princípio de darwinismo social, acionando forças e mecanismos de pura sobrevivência, preparando-se para um mundo mais fragmentado, multipolar e seguramente não rigidamente identificado com blocos. No fundo, preparação para um mundo em luta pela sobrevivência. A China adere a essa perspetiva, promovendo o que Leonard chama de abordagem holística à segurança nacional, bem mais vasta e ambiciosa do que a segurança militar propriamente dita, assumindo formas de um escudo contra o caos.
Em meu entender, mais do que propriamente partir em busca de alianças políticas que contraponham aos blocos organizados pelos americanos, a China usa a poderosa arma do financiamento externo para viabilizar infraestruturas cruciais noutros países para afirmar a sua posição. E assistimos de facto a uma diplomacia externa chinesa que vai muito além da chamada diplomacia económica, emergindo praticamente em todos os pontos quente do globo como uma presença incontornável, como por exemplo no Médio Oriente e no Norte de África.
É um facto que os EUA têm conseguido alguns pontos em países na área de influência chinesa, como a Coreia do Sul e as Filipinas, por exemplo.
Leonard invoca a este respeito a estratégia da dupla circulação que os Chineses estarão a praticar na perfeição, uma espécie de economia com uma bifurcação para o mercado interno, cada vez mais robusto e diversificado e uma outra direcionada para o mercado externo, seletivamente aplicada, designadamente tornando cada vez mais difícil o “decoupling” ocidental (tornar cada vez mais difícil o passar sem a China).
E a pergunta tem de ser colocada.
Quem está a preparar melhor o futuro? Os que procuram modelar o mundo na base de regras, blocos e alianças, adaptados ao contexto atual? Ou aqueles que estão a preparar-se para um mundo mais fragmentado?
Será que estes temas inspiraram a visita de Antony Blinken à China, seguramente com mais habilidade e diplomacia do que por vezes um desmiolado Biden faz transparecer?
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