(A evolução da geopolítica mundial e do modo como a economia mundial tenderá a organizar-se nos próximos tempos, além de depender obviamente de acontecimentos como a demente invasão russa da Ucrânia, parece começar a ser tributária de novo de dimensões que julgámos tradicionais e obsoletas, mas que emergem de novo com efeitos poderosos. Entre tais dimensões podemos citar por exemplo a geografia dos recursos naturais, atendendo sobretudo ao seu potencial de utilização como recursos críticos de transformações tecnológicas-chave, como pro exemplo, os materiais subjacentes à produção de baterias e seguramente a questão demográfica prospetiva. É a esta última dimensão que gostaria de dedicar o post de hoje.)
Há várias maneiras de colocar a prospetiva demográfica no coração da evolução geopolítica. Obviamente, que os efeitos do envelhecimento anunciado sobre os sistemas de proteção social, segurança social e saúde, principalmente, podem ser decisivos. Do mesmo modo, as consequências em termos de evolução da oferta de trabalho e do seu impacto no produto potencial das economias (hoje que se reivindica mais crescimento a torto e a direito) devem ser também salientadas. Mas existe outra dimensão que, embora não ignorada, não tem suscitado os aprofundamentos de análise adequados. Estou a referir-me à relação chave e incontornável que existe entre a demografia prospetiva de cada país e o que pode ser antecipado em matéria de migrações internacionais. Durante largo tempo, na globalização moderna, os fluxos de mercadorias, serviços e capitais suplantaram claramente a globalização dos movimentos de pessoas, que atingiram no passado dimensões bem mais salientes. Pelo contrário, hoje, a intensidade das migrações internacionais tem vindo a aumentar, não só por efeito do regresso de conflitos bélicos mais localizados ou evasivos, mas sobretudo pelo facto dos desvios de rendimento entre os locais de origem de migrações e os locais de destino continuarem elevados e despertarem o desejo de enfrentar as condições mais abomináveis e perigosas para se tentar alcançar uma vida melhor. Tudo isto acontece ao mesmo tempo que nas sociedades ocidentais avança a rejeição dos movimentos migratórios, a rejeição ao outro e ao que é diferente, como peças determinantes de projetos políticos de utilização da tolerância democrática para a destruir por dentro e cuja influência eleitoral é por demais evidente (veja-se os casos da Itália e do Reino Unido, por exemplo).
O gráfico do Economist que abre este post traz-nos uma prospetiva demográfica surpreendente, alertado por um tweet de Ian Bremmer.
É de facto curioso o confronto entre a prospetiva demográfica mais favorável dos EUA e a queda vertiginosa que se anuncia para outras sociedades, até há bem pouco tempo diferenciadas pelo seu dinamismo demográfico.
Mas se tivermos em conta o alerta de outro tweet, de James Picerno, ver gráfico acima, percebe-se que a dinâmica da prospetiva demográfica americana é essencialmente decorrente do fenómeno migratório.
Estamos perante algo que é paradoxal e contraditório. Os EUA destacam-se favoravelmente na prospetiva demográfica, mas isso deve-se essencialmente ao fenómeno migratório, com efeito absoluto e imediato nessa prospetiva, entram pessoas contrariando o comportamento do saldo natural entre nascimentos e óbitos. Mas o efeito indireto não é menos importante. Entram mulheres muito provavelmente com taxas de fertilidades mais elevadas do que a média existente, o que perante uma potencial, não segura, melhoria das condições de vida poderá traduzir-se no reforço da natalidade. Paradoxal e contraditório porque na sociedade americana existem movimentos fortes que se opõem a essa entrada de migrantes. O muro de Trump aí está para demonstrar essa hostilidade e a administração Biden tem tido um comportamento algo equívoco relativamente ao fenómeno.
A política de gestão das migrações internacionais e do seu acolhimento e integração nas sociedades demograficamente mais deficitárias vai emergir como um dos elementos determinantes do produto potencial das economias. Mas apesar disso, a rejeição das migrações vai continuar a ganhar votos.
Que mundo este!
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