Impossível passar ao lado de uma referência à morte hoje ocorrida de Silvio Berlusconi (86 anos); mesmo tendo-se há algum tempo tornado claro que, ao invés do que pretendia fazer crer por todas as formas ao seu dispor, a sua presença pública era já residual, quase irrelevante mesmo.
Mas Silvio foi duradouramente poderoso e marcou a vida política e social italiana durante décadas, embora a meu ver quase sempre das piores maneiras em qualquer dos planos que queiramos privilegiar na análise: a sua vida empresarial, sempre marcada por aproveitamentos em proveito próprio e por atos de gritante ilegalidade; a sua vida futebolística, transformando o AC Milan num clube odioso e quase maldito pelo modo como quis tomar conta do desporto-rei numa dada fase da sua existência; a sua vida pessoal, onde as histórias com mulheres chegaram a pontos insuportáveis e absolutamente sórdidos; a sua vida política interna, ela também completamente dominada por um modo de estar impositivo e sem escrúpulos que fez dele quem “antecipou o moderno populismo”; a sua vida política internacional, quer no quadro estritamente europeu (quem não lembra as suas diatribes aquando da crise das dívidas soberanas?) quer num quadro mais amplo (vejam-se as suas amizades declaradas a Putin, ainda recentemente objeto de reafirmação).
A meu ver, pois, tudo quanto possamos recordar da ação de “Il Cavalieri” esteve praticamente nos antípodas do que é a decência mínima exigível e, sobretudo, do que são os grandes princípios constitutivos de uma democracia liberal, pelo que fica apenas a seu crédito objetivo aquela presença carismática que soube fazer impor num tempo em que a sociedade italiana atravessava um momento traumático, e de descrença e desligamento, na sequência da chamada “Operação Mãos Livres”. Silvio marcou uma época, como dizem alguns comentadores e políticos? Sem dúvida que sim, mas é indiscutível também que Silvio andou mal e deixou mossa em praticamente tudo o que tocou e foi fazendo o seu cíclico sucesso. Razão pela qual entendo que dele não rezará a História com letra grande.
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