segunda-feira, 26 de junho de 2023

QUISERA SER MOSCA LÁ PARA AS BANDAS DE SINTRA

 


(O Banco Central Europeu regressa à Penha Longa para discutir e preparar a difícil decisão de saber se deve ou não interromper a subida das taxas de juro de referência, medindo o pulso à inflação. Madame Lagarde estará obviamente no máximo da sua elegância com vestuário provavelmente da Rue de Saint Honoré, em Paris. Estará também na reunião uma das mulheres economistas mais relevantes dos tempos que vivemos, Gita Gopinath, que já foi economista-chefe do FMI e que assume por agora o posto de Primeira Subdiretora-Geral daquela organização. Como sugiro no título do post, quisera ser mosca para perceber que tipo de ambiente de discussão se viverá pelas bandas de Sintra, antecedendo a já tradicional reunião de Presidentes ou Governadores de Bancos Centrais, a realizar no fim de festa da próxima quarta-feira. E nada melhor para aguçar a minha curiosidade do que trazer para esta reflexão a mais recente análise do próprio FMI sobre a inflação europeia, já que o grande debate que o tema tem suscitado na economia americana tem uma difícil extensão ao caso europeu.)

O IMF Blog é um valioso instrumento de trabalho para quem gosta de mergulhar nos meandros conceptuais e de evidência da macroeconomia.

O gráfico que abre este post tem origem nesse último olhar sobre a inflação europeia, focando-se nos principais fatores explicativos do crescimento do deflator de consumo, que não é mais do um índice de preços.

Tal como o blog do FMI o assinala, calculando o contributo anual para esse crescimento de variáveis relevantes como a evolução dos lucros das empresas, dos salários, dos impostos e da própria evolução dos preços de importação, reflexo da relação entre o euro e outras moedas de referência.

Para quem cedo se apercebeu na sua formação de que a inflação é um poderoso e natural instrumento de redistribuição do rendimento, não existe novidade por aí além no gráfico acima representado. É inequívoco que tal como sempre acontece os detentores de lucros revelam uma maior capacidade de resistência ao choque inflacionário do que o mundo do trabalho. Por outras palavras, os lucros das empresas respondem quase por 50% do aumento dos preços do consumo, tendo os lucros já ajustados pela inflação um valor de um ponto percentual acima do observado antes da pandemia. Daí que as perspetivas evolutivas da inflação na Europa dependam do modo como os lucros empresariais se ajustarão aos inevitáveis aumentos salariais que o mundo do trabalho procura para suavizar o choque sofrido.

No debate inflacionário dos nossos dias tem-se falado bastante da chamada inflação gananciosa (greeding inflation). Sem querer discutir agora essa dimensão do debate, o agravamento dos números apresentados pelo FMI contribuirá para essa suspeição analítica.

Talvez na discussão da Penha Longa surja este voto pio de que as empresas cumprirão o seu papel, sobretudo porque até agora são elas as que melhor têm resistido ao choque inflacionário.

Quisera ser mosca …

 

Sem comentários:

Enviar um comentário